quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Comentários sobre Produtividade na Agenda do PSDB

O PSDB lançou um programa de doze pontos onde apresenta proposta de uma nova agenda para o Brasil. Dentre os pontos o que mais me chamou atenção foi o que trata de uma agenda para a produtividade. Como estou entre os que acreditam que os maiores problemas do Brasil são a baixa produtividade e o baixo crescimento da produtividade é natural que este tenha sido o ponto a me chamar mais atenção. O texto que trata da produtividade segue abaixo.
10. A agenda da produtividade: infraestrutura, inovação e competitividade
O Brasil se tornou um país muito caro, onde é difícil produzir, investir e empreender. A produtividade de nossa economia encontra-se estagnada. As empresas brasileiras padecem de perda de competitividade e veem o mercado para seus produtos encolher cada vez mais, tanto aqui quanto no exterior. Desde a Era JK, a participação da nossa indústria de transformação no PIB não era tão baixa, evidenciando um indesejável processo de desindustrialização precoce da economia brasileira. A alta carga tributária e o total descaso com nossa infraestrutura – situação agravada pela resistência ideológica do atual governo a investimentos privados – minam nossa capacidade de investir e competir. Relatórios mundialmente reconhecidos apontam quedas continuadas na competitividade da nossa economia. A ausência de medidas econômicas e institucionais corretas tem feito com que o Brasil esteja sendo ultrapassado por diversos países em rankings internacionais – e, no que diz respeito à competitividade e à produtividade, países que não avançam ficam para trás. O desenvolvimento econômico não se sustenta se estiver apoiado apenas no consumo interno e a realidade é que o nosso grau de abertura econômica continua ínfimo. Hoje, além de não enfrentar estes desafios, o país vê-se discutindo uma agenda de duas décadas atrás, sob o temor de perder conquistas como a estabilidade da moeda, a responsabilidade com as contas públicas e a credibilidade arduamente conquistada.
Precisamos escapar dessa armadilha, começando pelo aumento dos investimentos em inovação e tecnologia e priorizando a busca do crescimento da produtividade. Hoje, investimentos em pesquisa e desenvolvimento contam com baixa eficácia nos resultados. Precisamos transformar o conhecimento gerado nas universidades e nos centros de pesquisa do país em negócios inovadores capazes de gerar valores agregados. O Brasil demanda planejamento de longo prazo, com características integradoras de eixos econômicos e logísticos, que possam gerar resultados efetivos para a economia do país e enfrentem nossas principais fragilidades: a precariedade da infraestrutura de transportes, a baixa qualidade do sistema educacional, o elevado custo de se produzir no país. Mas a realidade é que a inapetência gerencial produz vergonhosos déficits – como na logística de transporte, na mobilidade urbana, no saneamento, na saúde e na educação – que hoje sequer estão entre as prioridades do governo. A experiência malsucedida do PAC, que coleciona atrasos e superfaturamentos, precisa ser substituída por intervenções que resultem, efetivamente, em benefícios para a sociedade. É urgente uma nova política industrial com foco no atendimento das pequenas e médias empresas: cabe ao Estado auxiliá-las a se modernizar, melhorar a gestão e se integrar de forma sustentável nas cadeias de produção. E, igualmente importante, é preciso estimular o empreendedorismo e fomentar a inovação como fator primordial para a competitividade das empresas.
Nosso compromisso é retomar a realização de reformas estruturais, criando condições para que o produto brasileiro volte a ser competitivo. É preciso desburocratizar procedimentos, simplificar a estrutura tributária, abrindo espaço para a redução da carga e para a melhor distribuição de receitas para estados e municípios. É imperativo superar os gargalos da infraestrutura, expandi-la e modernizá-la, e incentivar o investimento privado, sempre que este gerar melhores resultados para a população. É preciso reduzir o custo de se produzir aqui, facilitar o escoamento da produção, aprimorar a plataforma energética e de telecomunicações. Para sermos mais produtivos e competitivos, é urgente melhorar a qualidade e a formação profissional da nossa mão de obra, ampliando suas possibilidades de inserção no mercado de trabalho com maiores salários. A agenda da produtividade deve assegurar melhores condições aos trabalhadores, respeito a seus direitos e à sua representação sindical, assim como uma política adequada para o salário mínimo que proteja e garanta o poder de compra dos trabalhadores e dos aposentados. Esta agenda contempla, também, a promoção de maior integração entre pesquisa e produção, com intuito de construir redes de pesquisa entre academia, setor privado e setor público nos moldes de bem sucedidas experiências mundiais. Só assim, com coragem e compromisso com o futuro, alcançaremos mais eficiência, aumento da produtividade e recuperação da nossa competitividade perdida, essenciais para o bem-estar dos brasileiros.
Gostei da abordagem dos tucanos para o problema da produtividade. Tomei um susto com a referência a desindustrialização precoce e temi que o texto fosse caminhar para teses desenvolvimentistas como as defendidas por José Serra em mais de uma ocasião. Não foi o que aconteceu, em vez de começar a reclamar de juros altos e pedir a desvalorização do câmbio o texto faz referência a alta carga tributária e a falta de infraestrutura. A alta carga tributária me parece menos um problema do que o resultado de escolhas da sociedade brasileira, é impossível manter a proteção social sem manter a alta carga tributária e não vejo sinais que o PSDB pretende reduzir a proteção social. O que pode ser feito neste ponto está mais relacionado a péssima qualidade dos nossos impostos: confusos, excessivos, regressivos e penalizam a produção. Melhorar a qualidade de nossos impostos não é tarefa fácil, mas com uma boa articulação com os estados pode ser uma tarefa possível de ser cumprida pelo próximo presidente. A questão da infraestrutura eu acredito ser mais importante e mais urgente para melhorar a produtividade no Brasil. Talvez neste ponto eu tivesse sido mais incisivo nos problemas institucionais e na necessidade de retomar uma agenda de reformas. A referência a abertura foi oportuna bem como a crítica ao modelo de crescimento pelo consumo e ao risco de voltarmos a ter de discutir estabilidade macroeconômica, um tema superado a quase vinte anos.
No segundo parágrafo o texto tenta apresentar propostas. Começa apontando a necessidade de investimentos em inovação e tecnologia, é um investimento importante, não nego, mas eu não começaria por aí. O primeiro passo é criar regras claras e estáveis para o setor de inovação e tecnologia bem como para todos os outros setores. Sem isto a tentativa de gerar investimento no setor provavelmente fracassará pelo mesmo motivo que a tentativa de estimular o investimento via BNDES fracassou no governo Dilma. Não adianta financiar o investimento se não existe o desejo de investir. O mesmo vale para as Universidades, com o atual marco legal que rege as Universidades Federais é simplesmente impossível que estas se tornem motor do desenvolvimento tecnológico, hoje quase toda tentativa de estabelecer parcerias da Universidade com o setor privado ou mesmo com o setor público fere alguma lei e coloca os pesquisadores envolvidos em risco de pagar multas ou ser demitido. É preciso redefinir a Universidade não como uma repartição pública dedicada ao ensino, mas como um pólo de geração e aplicação de conhecimentos que possam levar ao aumento da eficiência tanto do setor público quanto do setor privado. Não é uma tarefa fácil, mas é uma tarefa urgente. O texto é feliz em identificar a necessidades de reformas e denunciar o PAC como uma política malsucedida, vou além: o PAC fracassou porque não poderia dar certo, sofre de um erro de origem, qual seja, o pressuposto de que o estado é o condutor do crescimento. Não é, ninguém é. O apelo ao planejamento me deixou um pouco desconfortável, mas não tanto como a referência a política industrial. Gestão é um problema, é fato, mas se o estado quer fazer algo a este respeito deve começar em casa. Um estado com gestão ineficiente não pode sequer insinuar que vai ensinar gestão a pequenos empresários, aposto que a gestão do mercadinho da esquina é mais eficiente que a gestão de 95% das repartições públicas.
O terceiro parágrafo é a cereja do bolo, ficou muito bom. A referências aos sindicatos, a proteção dos trabalhadores e ao salário mínimo eram esperadas em um documento de um partido social-democrata, não comprometem o diagnóstico muito bem feito do problema da produtividade. O parágrafo aborda todas as questões que considero essencial: simplificação das leis, infraestrutura e educação, e passa longe tanto da tentação de baixar juros a força quanto da choradeira cambial.
Como um todo gostei da abordagem do PSDB para a questão da produtividade. Fico no aguardo de documentos mais profundos sobre o tema e de documentos semelhantes apresentados por outros partidos.

Participação no Expressão Nacional da TV Câmara

Vídeo com minha participação no Programa Expressão Nacional da TV Câmara de ontem, 17/12/2013, o tema foi "O que esperar da economia em 2014". Como de costume fiquei entre os pessimistas.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Hoje a Liberdade é Vermelha

Tenho muitas críticas a lei do presidente Mujica para liberar a maconha no Uruguai, o foco de minhas críticas é que o pesado controle estatal sobre a produção e a distribuição da erva pode levar a um racionamento que abriria espaço para manutenção do tráfico. Mas a reação da ONU a medida do Uruguai foi absurda, não é possível que uma organização que é complacente com genocídios e recebe ditadores com pompas reservadas a líderes de povos livres classifique o Uruguai de país pirata. Pirata é a ONU!
O Uruguai é uma nação independente e soberana que decidiu não mais participar de uma Guerra às Drogas que faz de toda a América Latina uma de suas maiores vítimas. Por conta desta guerra, e com a cegueira cúmplice da ONU, vários países de nosso continente são ameaçados pelo tráfico de drogas. As ameaças tomam várias formas: gastos absurdos para combater o tráfico, corrupção nas forças policiais, perda de controle de partes do território, presença de grupos paramilitares e, nos casos extremos, governos tomados por traficantes. Sacrificamos toda a sociedade para impedir que alguns indivíduos exerçam seu direito de consumir substâncias nocivas à própria saúde. Destruímos famílias de inocentes que nunca tiveram escolha para impedir a destruição das famílias de eventuais viciados. Nem isto conseguimos, o enorme sacrifício do combate as drogas tem mostrado resultados que na melhor das hipóteses são pífios.
O Uruguai de Mujica, o homem que é a perfeita descrição do "velho comunista", resolveu tentar um caminho novo. Como sempre acontece com tentativas do tipo existem riscos, por conta disto um representante da ONU insinuou que o Uruguai estava fazendo experimentos arriscados com sua juventude. De fato o experimento da Guerra às Drogas, mais uma herança maldita de Nixon, não implica riscos, pois já temos a certeza que deu errado. Irresponsável é persistir em uma guerra perdida sem ao menos o estímulo do motivo nobre. Uma guerra que busca proteger o indivíduo dele mesmo é uma guerra arrogante destinada a ser perdida. O burocrata da ONU ousou chamar o Uruguai de país pirata por não se submeter às regras da própria ONU. Estranhos piratas que vivem em paz com seus vizinhos a mais de um século, estranhos piratas que não se armam até os dentes, estranhos piratas que caminham no sentido de permitir a liberdade de escolha, mesmo que a escolha seja ruim.
A coragem de Mujica fez com que o azul da liberdade preste homenagem ao vermelho da fraternidade. Nestes dias o coração azul vai se pintar de vermelho. Hoje meu coração é vermelho.


terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Tristeza não tem fim, felicidade sim.

Teve quem visse os resultados do PIB no segundo semestre como um sinal de uma nova era de crescimento e/ou de que as mudanças na política econômica que foram implementadas no governo Dilma estavam corretas. A ideia é que estas políticas causariam uma queda do crescimento no primeiro momento, mas, na sequencia, a taxa de crescimento aumentaria em um padrão que lembra a letra J, primeiro cai e depois cresce. Infelizmente os que viram o crescimento do segundo semestre como a subida do J estavam errados, os números do terceiro semestre vieram de acordo com as projeções mais pessimistas. De fato a grande maioria dos analistas econômicos nunca comprou a história do J e previa uma retração do PIB, o que de fato correu.

Aparentemente o governo também não comprou a história do J, o fato é que de lá para cá (com uma ligeira pressão do povo nas ruas) o governo perdeu o ânimo inicial de mudar a política econômica. O Banco Central voltou a aumentar juros para combater a inflação, o que impediu o descontrole inflacionário, mas ainda não foi suficiente para trazer a inflação para o centro da meta. Os ministros pararam de pedir desvalorização do dólar para proteger a indústria. O governo colocou as privatizações para andar. Foram medidas tímidas, mas que sinalizaram que a loucura do governo estava temporariamente parcialmente controlada.

Pois bem, o governo está em uma encruzilhada, pode retomar o desenvolvimentismo dos seus primeiros anos ou pode seguir o caminho da estabilização, privatizações e reformas. Como vimos em junho a primeira opção é muito eficiente em colocar o povo nas ruas, principalmente quando preços que atingem muita gente começam a subir. Para que a segunda opção possa funcionar medidas urgentes devem ser tomadas e políticas ruins devem ser revertidas, cito algumas:

Deixar o câmbio flutuar. Se isto levar a uma desvalorização que assim seja, da mesma forma assim seja se isto levar a uma valorização. As intervenções visando ora valorizar ora desvalorizar o câmbio geram volatilidade que apenas serve para contrair o investimento.

Não ter medo dos juros altos. A política monetária deve ter como objetivo controlar a inflação. Esta afirmação pode até gerar polêmica em países com altas taxas de desemprego, mas em um país com desemprego baixo e que usa o sistema de metas de inflação não tem nem o que discutir. Como não bastasse ser o que se espera de um Banco Central que segue um regime de metas, a regra de aumentar ou diminuir os juros de acordo com as previsões de inflação ainda tornam a política monetária previsível, o que é muito bom.

Perder a vergonha de privatizar. Com exceção de alguns grupos presos no século passado todo mundo já sabe que privatizar é bom para todos. Já foi o tempo que privatizar era bandeira dos liberais, hoje é uma medida técnica. Diversos governos socialistas da Europa lideraram privatizações, aqui no Brasil os sociais democratas lideraram as privatizações e hoje é o PT quem privatiza. Já perdemos muito tempo e não temos porque perder mais tempo. O Leilão de Libra foi simbólico, o último leilão de aeroportos foi a prova do amadurecimento do governo neste sentido.

Não se brinca com conceitos nem com definições. Contabilidade nacional e finanças são públicas passam periodicamente por revisões de conceitos, isto não é um problema. Mas mudar definições de conceitos com objetivo de sair melhor na foto não funciona. Pior, a medida que fica clara a manipulação os interessados perdem a confiança nas contas públicas e deixam de considerar mesmo os resultados positivos que de fato ocorre. Fica como na história onde todos mentem, mas não tem problema porque ninguém escuta o que os outros dizem e os que escutam não acreditam.

Mais dinheiro não significa mais investimento. Colocar dinheiropara estimular investimento só funciona quando o problema do investimento é afalta dinheiro. Com taxas de juros nominais próximas à zero nas principais economias do mundo alguém pode acreditar que japoneses, alemães ou chineses não investem no Brasil por falta de crédito? Basta ver do reclamam os investidores: insegurança jurídica, falta de infraestrutura, escassez de capital humano e coisas deste tipo. Não adianta dar mais crédito senão resolver estes problemas, o fato do BNDES ter colocado quase R$ 400 bilhões para financiar investimento nos últimos cinco anos e a taxa de investimento não ter subido é forte indício que falta de dinheiro não é problema do investimento.

Educação importa. Não se trata de colocar crianças na escola, isto é importante, mas não resolve 
o problema da educação. É preciso garantir que as melhores e mais modernas ferramentas de gestão e técnicas de ensino sejam utilizadas em nossas escolas. É inadmissível que o Brasil permaneça na parte debaixo das avaliações internacionais de educação. Já se perdeu muito tempo tentando desviar da questão da educação, é preciso encarar o problema de frente e cobrar resultados para ontem.


É claro que os pontos acima não esgotam a agenda para uma nova política econômica, mas certamente fazem parte desta agenda. Continuar buscando saídas fáceis via manipulação de preços (câmbio, juros, salários, combustíveis e etc) é nos manter com taxas de crescimento medíocres. Como alento para os que viram os números do segundo semestre como a aurora de uma nova era de crescimento e felicidade generalizada deixo a companhia do poeta e do maestro.


segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Carta Aberta aos Ministros do STF


Senhores Ministros do STF,

Temos visto com preocupação alguns comentários, veiculados pela imprensa, a respeito do julgamento de ações relativas aos critérios de correção da poupança em antigos planos econômicos. Tais comentários sugerem que caso os poupadores ganhem a causa o país poderá enfrentar uma crise financeira de grandes proporções e que, por esta razão, o STF deveria julgar a favor da constitucionalidade de tais planos econômicos (e contra os poupadores).

Em primeiro lugar, devemos ressaltar que parte significativa dos avanços recentes em teoria do crescimento econômico aponta que instituições são fatores determinantes do sucesso de um país. Dentre estas instituições a justiça “cega” é certamente uma das mais importantes, uma justiça que “olha” quem vai ser prejudicado (ou beneficiado) antes de tomar decisões é mais prejudicial à economia do que uma crise financeira, por pior que sejam estas últimas.

Em segundo lugar, temos dúvidas em relação aos números que vemos na imprensa. Fala-se que retirar R$ 150 bilhões do sistema financeiro levaria a uma retração do crédito da ordem de um trilhão de reais. Aparentemente este cálculo não considera que uma parte significativa deste dinheiro será depositada nos próprios bancos a despeito de quem ganhe a causa. Os indivíduos que receberem estes recursos vão deixar parte dos mesmos nos bancos para obter rendas de juros, e vão consumir a outra parte. A parte que ficar nos bancos não deverá ter grandes efeitos no volume de crédito disponível. A parte que for consumida terá efeito direto no aumento da demanda. Mesmo esta parte dedicada ao consumo cedo ou tarde voltará ao sistema financeiro. O dinheiro não desaparece da economia (como sugerem alguns analistas), apenas muda de dono.

Outro ponto que nos incomoda são as referências a famosa frase "No Brasil até o passado é incerto". Este de fato é um problema de nossa economia que deve ser enfrentado se quisermos um desenvolvimento de longo prazo. Mas não entendemos que este julgamento seja um exemplo disto. Os reclamantes entraram na justiça em tempo hábil e tiveram vitória nas instâncias iniciais. Os bancos, agindo dentro da lei, colocaram uma série de recursos até que o julgamento chegasse ao STF. Ou seja, a demora na decisão final foi apenas devido ao processo legal, que propiciou aos bancos recorrerem de decisões desfavoráveis recebidas em primeira e segunda instância. Desta forma, o julgamento de fatos ocorridos há mais de vinte anos atrás é consequência direta das ações dos bancos. De fato a boa técnica de gestão de risco recomenda que, dado que os bancos foram condenados nas instâncias inferiores, deveriam ter feito reservas de recursos para poderem honrar seus compromissos em caso da confirmação da decisão no STF. Se isto não foi feito deve-se a problemas de gerenciamento de risco dos próprios bancos (que preferiram adotar outras estratégicas de salvaguardas financeiras). Sendo assim, se em decorrência do julgamento ocorrer a falência de algum banco isto será devido a uma gestão de risco inadequada, e não da aplicação das leis.

Terminamos por manifestar nossa confiança de que o STF julgará observando tão somente as leis, a jurisprudência, e a doutrina do direito. Afirmamos que os efeitos sobre o sistema financeiro, de possível decisão favorável aos poupadores, serão bem menores do que os apresentados na imprensa. Afirmamos também que pedir ao judiciário que julgue olhando quem ganha e quem perde com suas decisões é pedir um preço alto demais para evitar uma crise financeira.

Por fim, reforçamos o argumento de que a demora no julgamento dessa ação não se deveu a nenhum procedimento inapropriado por parte dos poupadores. Pelo contrário, boa parte dessa demora deveu-se aos recursos impetrados pelos próprios bancos. Além disso, no Brasil, não é incomum que processos judiciais levem vários anos para terem seu julgamento finalizado. Isso não quer dizer mudar o passado (tal como alguns analistas querem fazer acreditar). Apenas para reforçar nosso ponto, um estudo do IPEA mostra que o tempo médio total de tramitação de um processo de execução fiscal na Justiça Federal é de 8 anos 2 meses e 9 dias*. Ou seja, dizer que uma demora no julgamento de uma causa significa alterar o passado é um argumento que não pode ser usado na realidade brasileira.

Assinam (em ordem alfabética):

1) Adolfo Sachsida, Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA
2) Marco Aurélio Bittencourt, doutor em Economia.
3) Roberto Ellery Jr, Departamento de Economia da Universidade de Brasília.


*: Comunicado IPEA: "CUSTO UNITÁRIO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL NA JUSTIÇA FEDERAL", número 83, março de 2011.


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Até quando esperar?

Em um post anterior falei sobre a Penn World Table 8.0 e comentei que uma das novidades mais interessantes foi oferecer dois conceitos para o PIB: um deflacionado pelos preços do que compramos (rgdpe)  e outro deflacionado pelos preços do que produzimos (rgdpo). O primeiro pode ser visto como uma medida de bem-estar o segundo como uma medida de nossa produção. A razão entre estes dois conceitos de PIB pode ser interpretada de duas formas:  pode ser vista como a razão entre os preços do que produzimos a e os preços do que compramos (note que esta razão não equivale aos termos de troca, mas está relacionada) e pode ser vista como a razão entre nosso bem-estar e nossa capacidade de produção. Na primeira interpretação um aumento desta razão significa que o preço das coisas que produzimos está aumentando mais do que o preço das coisas que compramos, na segunda interpretação um aumento significa que nosso bem-estar está aumentando mais do que nossa produção. Hoje vou usar a primeira interpretação para comentar a economia brasileira, no próximo post tratarei da segunda interpretação.

Podemos ficar mais ricos de duas maneiras: o preço do que produzimos aumenta ou, ao mesmo preço, aumentamos nossa produção. Considerem o meu caso, sou professor de economia. Posso ficar mais rico se conseguir cobrar mais por minhas aulas de economia ou posso ficar mais rico se der mais aulas de economia ao preço atual. Embora em ambos os casos eu esteja mais rico existe uma diferença importante entre os dois casos: no primeiro caso a riqueza é devida a fatores que não controlo, do mesmo modo que a aula de economia ficou mais cara, a aula de economia pode ficar mais barata. Preços são circunstanciais, não seguem padrões determinados. Um preço que aumenta hoje pode muito bem cair no futuro próximo a depender das condições do mercado. O gráfico abaixo ilustra a razão entre os preços do que produzimos no Brasil e os preços do que compramos.



Como vocês podem ver no início da década de 1970 o preço do que produzimos caiu em relação ao preço do que compramos, foi o Choque do Petróleo. Como ficamos mais pobres devíamos ter ajustado nossos gastos, não fizemos e pagamos o preço na década de 1980. Mas não é deste período que quero falar aqui, quero falar do início do século XXI. Notem que no início deste século o preço do que produzimos começou a crescer bem mais do que o preço do que compramos. Este é um dos fatores que explicam o crescimento recente do Brasil. Como é muito difícil prever o quanto este fenômeno vai durar a prudência diria que devíamos ter aproveitado este período de vacas gordas para nos preparar para o futuro. Devíamos ter feito às reformas necessárias para continuar crescendo quando esta razão se invertesse. Uma vez realizadas as reformas poderíamos iniciar um processo de enriquecimento por meio de aumento da produção induzida por aumento da produtividade. Desta forma nosso crescimento não mais dependeria de preços difíceis de prever. O gráfico abaixo mostra a mesma razão de preços para Coréia.




Reparem que o comportamento dos preços no início do século XXI foi cruel com a Coréia, no entanto neste período a Coréia cresceu mais do que o Brasil. Qual a razão? O crescimento da Coréia está relacionado a ganhos de produtividade, não depende apenas de preços. Alguns apressados podem entender deste gráfico que o caminho é incentivar o mercado interno por meio de subsídios à indústria local. Não é, fizemos isto por mais de trinta anos no pós-guerra e não deu certo. Não há um só motivo para tentar de novo. A saída passa por educação e um ambiente favorável aos negócios. É um caminho longo e penoso, eu sei, mas se o tivéssemos seguido no pós-guerra, como fez a Coréia, hoje não dependeríamos de preços. Se não tivéssemos desviado deste caminho em 2006 hoje estaríamos bem melhor. Já perdemos muito tempo buscando saídas mágicas e fugindo do problema, quanto tempo mais ainda vamos perder? Até quando esperar?

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Mais dados, desta vez sobre pobreza.

No post anterior falei sobre a distribuição da renda média dos países do mundo. Mostrei que pelos dados da Penn World Table não é possível falar que os países pobres foram os perdedores da globalização. A análise simples dos dados sugere o contrário, países pobres cresceram mais que países ricos. Neste post vou falar sobre pobreza. O fato de países pobres terem crescido mais que países ricos não implica em redução na pobreza mundial, é possível que a renda dos países pobres esteja se concentrando nas mãos dos mais ricos destes países. Neste caso o aumento da renda média não implica em aumento da renda dos mais pobres. Olhemos para os dados relativos a pobreza.

Como a Penn World Table não trata de pobreza desta vez os dados utilizados serão do Banco Mundial, especificamente da Poverty &Equity Data. Se é para falar de pobreza é melhor começar por onde o problema é mais grave: a África subsaariana. É comum ver na Internet ou em revistas e jornais estatísticas assustadoras a respeito da miséria nesta região, qualquer pessoa normal sente algum mal estar quando se depara com imagens de crianças passando fome e/ou com estatísticas mostrando que o número de miseráveis (pessoas que vivem com menos de $1,25 por dia, corrigidos por PPP) nesta região mais que dobrou entre 1981 e 2010. Eram pouco mais de 200 milhões de pessoas nesta situação em 1981 e em 2010 já passavam de 400 milhões. Números como este são desconcertantes para civilização, é inaceitável que em pleno século XXI com todas as técnicas de produção agrícolas que dominamos pessoas passem fome.

O impacto dos números é tão forte que dificulta nosso raciocínio, e disto se aproveitam os críticos do livre mercado. O aumento do número de miseráveis foi maior ou menor que o aumento da população? Sem considerar este efeito qualquer análise está comprometida, pior, é possível que os mecanismos que criam miséria passem a ser defendidos por pessoas que sinceramente querem o fim da miséria. É como um obeso fazendo dieta que ao perceber que ainda é o mais gordo da turma afirma que a dieta não funciona e ignora que antes da dieta ele pesava duas vezes a média da turma e agora pesa uma vez e meia a média. Mas deixemos de coisa e cuidemos da vida, vamos aos números. A percentagem de miseráveis na África subsaariana era 56,5% em 1981 e caiu para 48,5% em 2010. O pico foi de 59,4% em 1993, curiosamente na década de 1990, o auge de neoliberalismo, começou o processo de queda na proporção de miseráveis, foram mais de dez pontos percentuais de queda entre 1993 e 2010! Entre 1993 e 2010 também caíram as proporções do que vivem com menos de $2,50 por dia e dos que vivem com menos de $5,00 por dia. A figura abaixo ilustra a proporção dos que ganham menos de $1,25 por dia, as outras podem ser obtidas aqui.




Mas a África é distante, entre nossos intelectuais não faltam os que acreditem que a miséria está aqui em nuestra América. Continente devastado pela exploração do império, pelas políticas neoliberais, pelo FHC, pelo aquecimento global, pelo ET de Varginha e pelo homem do saco. A figura abaixo ilustra a proporção dos que vivem com menos de $1,25 por dia na América Latina. Eram 11,9% da população em 1981, subiu para 13,6% em 1984 e chegou a 5,5% em 2010. No Brasil ocorreu fenômeno semelhante, em 1990 o percentual dos que viviam com menos de $1,25 ao dia era 17,2% da população, este percentual subiu a 17,9% em 1992 e, a partir deste ano começou a cair. Em 1995 já era 11,3% (há quem diga que o Plano Real foi ruim para os pobes!), em 2002 estava em 10,6%. Caiu continuamente até 2008 quando chegou a 6%, em 2010 subiu para 6,1%.




A verdade é que pela maioria dos conceitos utilizados para medir pobreza existem muito mais pobres e miseráveis do que deveriam existir, mas existem cada vez menos pobres em proporção a população total. Dizer o contrário é ir contra os dados, pode servir a propaganda, mas não serve para ajudar aos miseráveis. Se quisermos mesmo ajudar os miseráveis temos que estudar com cuidado o que aconteceu a partir de meados da década de 1980 e tentar fazer mais disto. Na minha avaliação não é coincidência que a redução da pobreza tenha ocorrido na mesma época das reformas pró-mercado. Posso estar errado, mas quero ver números.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Países pobres cada vez ficam mais pobres e países ricos cada vez ficam mais ricos... Será?

Se você é do tipo que acompanha conversas sobre economia e/ou política pela internet certamente você já leu algo do tipo: nos últimos cinquenta anos a globalização forçou que os países pobres abrissem suas economias e levou a um enriquecimento dos países ricos e ao empobrecimento dos países pobres. A depender do autor a afirmação pode vir com termos como neoliberalismo, mundialização ou financeirização no lugar de globalização ou podem aparecer temos como nova ordem mundial. Raramente os autores apresentam números que comprovem a afirmação, quando aparecem números são números incompletos e deslocados do contexto. Por exemplo: dizem que existem mais crianças passando fome hoje do que existiam tantas décadas atrás, mas não dizem a proporção de crianças passando fome. É um artifício rasteiro para induzir o leitor a aceitar uma tese. É lógico que com o aumento da população mundial existirão mais crianças com problemas, assim como existirão mais crianças saudáveis e bem alimentadas.

Resolvi juntar neste post alguns dados sobre como evoluiu a renda de vários países nos cinquenta anos passados entre 1960 e 2010, repetirei aqui parte do que fiz na introdução do curso de crescimento que ofereci para alunos de graduação da UnB. Usei os dados da Penn World Table, todos os dados estão disponíveis de graça na internet de forma que se alguém quiser confirmar meus números basta pegar os dados e refazer as contas que fiz. Vamos aos números.

A primeira informação relevante é sobre a renda média dos países. Em 1960 esta renda, medida em valores constantes de 2005 corrigidos por paridade de poder de compra, era de 4.095, em 2010 era de 13.309, ou seja, em média o mundo ficou mais de três vezes mais rico nestes cinquenta anos. Como sabemos média é um conceito perigoso, é possível que a média aumente enquanto os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres. Precisamos de mais números. Vou separar a amostra em pedaços. A amostra total tem 110 países, passarei a trabalhar com quatro grupos. O primeiro grupo é composto pelos 28 países mais pobres em 1960, o segundo grupo é composto pelos 27 países seguintes em ordem de pobreza, o terceiro grupo é composto pelos próximos 27 países e o quarto grupo é composto pelos 28 países mais ricos em 1960. Para facilitar vou chamar o primeiro grupo de países pobres, o segundo de países com renda média-baixa, o terceiro de países com renda média-alta e o quarto de países ricos. Depois farei a mesma divisão para o ano de 2010.

A renda média dos países pobres em 1960 cresceu 230% entre 1960 e 2010, a renda média dos países ricos em 1960 cresceu apenas 116% no mesmo período. Dito de outra forma: entre 1960 e 2010 os 28 países mais pobres da amostra cresceram, em média, uma vez e meio mais do que os países mais ricos. A verdade é que os países pobres, entre 1960 e 2010, cresceram mais do que os países ricos. Mas tem mais: no mesmo período a renda dos países do grupo de renda média-baixa aumentou em 165% e a do grupo de renda média-alta aumentou 143%, o fato é que, ao contrário do que dizem por aí, os países ricos foram os que menos cresceram no período entre 1960 e 2010.

Ainda não acabou: ao contrário do que dizem não é verdade que a maioria dos países ficou mais pobre neste período, na realidade apenas sete países da amostra ficaram mais pobres neste período: África Central, Congo, Guiné, Haiti, Madagascar, Nicarágua e Níger. Alguém interessado pode checar caso a caso, mas o desastre econômico destes países provavelmente está relacionado a guerras e desastres naturais que não guardam relação com a dita globalização. Também ocorreram milagres econômicos no período, ou seja, alguns países cresceram muito mais que os demais. Estes milagres não ficaram restritos aos países ricos, muito pelo contrário, dos nove milagres identificados (Botsuana, China, Guiné-Equatorial, Hong-Kong, Coréia do Sul, Malásia, Singapura, Taiwan e Tailândia) nenhum ocorreu em país que estava no grupo dos ricos em 1960. Por outro lado, Botsuana, China e Guiné-Equatorial estavam entre os mais pobres de 1960. A Coréia do Sul é um caso particularmente interessante: em 1960 era um país de renda média-baixa e em 2010 era um país rico.


Da próxima vez que te falarem sobre como a globalização beneficiou os países e tornou os países pobres ainda mais pobres lembre destes números e pergunte: Será?

domingo, 22 de setembro de 2013

De onde (não) vem o Crescimento Brasileiro?

De uma maneira bem simplificada é possível dizer que a produção é realizada pela combinação de capital e trabalho. Entretanto com um pouco mais de reflexão é possível perceber que além da quantidade de trabalho e de capital utilizada na produção a forma como estes dois fatores são combinados também determina o total produzido. Para clarificar vou dar um exemplo que qualquer um que já entrou em uma cozinha deve conhecer. Suponha que eu que sou péssimo cozinheiro e um amigo meu que saiba cozinhar decidamos fazer uma feijoada. Ambos temos os mesmos equipamentos (fogão, panelas e outros instrumentos de cozinha), temos o mesmo tempo para cozinhar, digamos uma manhã de sábado, e também temos os mesmos ingredientes. Será que por usarmos a mesma quantidade de capital e as mesmas horas de trabalho teremos o mesmo produto no final da manhã. Provavelmente não. Meu amigo que sabe cozinhar deverá terminar a manhã com uma feijoada completa e ainda deve ter arranjado tempo para lavar o carro durante a manhã. Eu terei algo disforme que lembra de longe feijão com coisas não identificadas dentro, uma cozinha destruída e nem sequer terei tido tempo de dar bom dia à minha esposa, se tiver tido temo o humor não deixou.

O que explica a diferença de resultados? É fácil entender que a diferença está nas nossas habilidades de cozinhar, mas é difícil listar exatamente o que fez a diferença. Pode ter sido conhecimento da receita, paciência nos tempos, intuição sobre a ordem de cozinhar os ingredientes, experiência, melhor uso dos recursos do fogão (particularmente tenho dificuldades de acender o fogão), boa vontade e/ou dedicação e mais um bocado de outras coisas. Em teoria do crescimento econômico ocorre um fenômeno parecido. Sabemos que para um país crescer precisa de capital e de trabalho, mas também tem este algo mais que é difícil de descrever, porém fácil de entender. Na falta de um nome melhor este algo mais é chamado de produtividade total dos fatores (PTF) ou simplesmente produtividade. Alguns economistas também chamam de medida de nossa ignorância, dada a dificuldade de explicar o que é e de onde vem a PTF.

Desde meados do século XX, inspirados por Robert Solow queganhou um Nobel por trabalhos sobre crescimento econômico, vários economistas tem tentado contabilizar o quanto capital, trabalho e PTF podem explicar o crescimento. Os resultados típicos mostram que em países ricos a PTF é de longe a maior responsável pelo crescimento da economia. O motivo é intuitivo. A quantidade de horas de trabalho está limitada pela população e pela duração do dia, ninguém pode trabalhar mais que 24h por dia. A capacidade do capital de gerar produto também é limitada pelo que chamamos em economia de lei dos rendimentos decrescentes: quanto mais se usa capital menos produto o uso de capital vai gerar. Para entender o conceito de rendimento decrescente voltemos ao exemplo da feijoada.

Suponha que ao ver minha manhã perdida e minha feijoada não ter ficado nem mesmo digerível eu resolva ir almoçar na casa de meu amigo. Como ele não estava me esperando ele não fez feijoada suficiente para mim. Lembrem que ele é um grande cozinheiro, de forma que ele vai dar um jeito de colocar água no feijão e a feijoada acabará suficiente para todos e ninguém notará alteração do sabor. À medida que mais visitas inesperadas vão chegando vai ficando mais difícil aumentar a quantidade de feijoada só colocando água. Se muita gente chegar e ele continuar colocando só água para aumentar a quantidade de feijoada é capaz da feijoada dele ficar quase tão ruim quando a minha. Um economista diria que a água está sujeita a rendimentos decrescentes, ou seja, não é possível aumentar para sempre a produção de feijoada colocando apenas mais água.

Estando o capital sujeito a rendimentos decrescentes a teoria diz que não é possível que uma economia cresça para sempre apenas aumentando a quantidade de capital utilizada na produção. Porém o fato é que economias crescem e aparentemente este processo não é limitado, pelo menos não pelo capital. De onde então vem o crescimento? Como Robert Solow nos ensinou em meados do século XX o crescimento vem do aumento da produtividade, na realidade Adam Smith e outros economistas clássicos já sabiam disto, mas esta é outra conversa.

Tragamos esta conversa para o Brasil. De onde vem o crescimento brasileiro? Do capital, do trabalho ou da produtividade? A figura abaixo ilustra a resposta. A rigor eu deveria ter usado produto per-capita ou por trabalhador e capital por trabalhador, o resultado ficaria quase o mesmo, as conclusões as mesmas e eu teria que voltar novamente ao exemplo da feijoada para explicar a razão de usar estes conceitos. Desta forma usei produto, capital, trabalho e produtividade sem ajustar nada. Entre 1970 e 2011 o produto brasileiro aumentou 401%, o trabalho aumentou 204%, o capital aumentou 720% e a produtividade aumentou apenas 11%. De acordo com medidas usadas e conceitos de trabalho usados estes números mudam, mas a figura é sempre a mesma. O crescimento do Brasil vem do capital e não da produtividade.




Não é por acaso que não conseguimos crescer de forma sustentada. No início do processo de crescimento o capital era realmente importante e necessário para produção, não tínhamos fogão nem panelas. Quando isto ocorre a própria aquisição de capital leva ao aumento da produtividade mensurada. Máquinas novas significam tecnologias novas e novas possibilidades de produção. A medida que o tempo passou precisávamos ter feito a mudança para um crescimento via produtividade, não fizemos. O resultado foi a estagnação. Aumentamos o estoque de capital sem que este novo capital gerasse ganhos de produtividade. O Brasil investiu em estradas que não ficaram prontas, ferrovias que não passam trens e coisas do tipo. Equivale a jogar água na feijoada já aguada. Por outro lado não educamos nem qualificamos nossa força de trabalho e não facilitamos a vida de nossos empreendedores. Muito tempo e dinheiro já foram desperdiçados na estratégia de colocar água no feijão, sempre é tempo de tomar o caminho da produtividade, mas quanto antes melhor.

domingo, 15 de setembro de 2013

A História de duas Cidades

Brasil e Chile são países com muitas diferenças e algumas semelhanças. Entre as semelhanças está o fato que os dois passaram por ditaduras militares durante as décadas de 1970 e 1980, no Brasil a ditadura começou em 1964 enquanto no Chile começou em 1973. Outra semelhança é que ambos estão localizados na América Latina, região do mundo onde mais se questiona o conhecimento econômico convencional e também, por pura coincidência, a única região do planeta onde a cultura ocidental não trouxe riqueza, mesmo com décadas de paz. Entre as diferenças está o fato que ao contrário da ditadura do Brasil e das outras ditaduras que assombraram o continente a ditadura chilena não apostou na economia mágica de inspiração cepalina. Neste ponto o Chile se diferencia de praticamente toda a América Latina.

No post anterior mostrei o que chamo de Desastre da América Latina no pós-Guerra. Desta vez vou falar um pouco sobre o Chile, o único país que não embarcou de cabeça na agenda cepalina e a grande exceção ao desastre econômico que se abalou sobre o Continente. Especificamente vou comparar o desempenho econômico entre Brasil e Chile, no futuro falarei mais sobre o Chile e a América Latina. Se alguém se interessar pelo assunto recomendo que leiam o livro Left Behind: Latin America and the False Promise of Populism, escrito pelo professor Sebastian Edward. A figura abaixo mostra o PIB per-capita do Brasil e do Chile entre 1951 e 2010.




Notem que no começo do período o Chile era mais rico do que o Brasil, esta situação continuou até 1972 (o golpe do Chile foi em 1973) quando o Brasil ultrapassou o Chile, porém em 1992 o Chile ultrapassou novamente o Brasil e abriu uma grande dianteira. O que aconteceu? Aconteceu que enquanto o Brasil apostou na estratégia desenvolvimentista de transferir dinheiro para empresários e esperar que estes empresários nos levem ao mundo prometido da riqueza o Chile apostou na sabedoria econômica convencional: mercado tão livre quanto possível, regras simples e estáveis e investimento em educação. Enquanto nossos militares fizeram os PNDs inspirados na CEPAL (que ironicamente é sediada no Chile) os generais chilenos buscaram conselhos com economistas de Chicago, escola símbolo do livre mercado.

Antes de seguir adiante devo esclarecer duas coisas. A primeira é que o fato de um ditador escolher boas políticas econômicas não justifica em nenhuma hipótese a ditadura, FHC em seus dois mandatos e Lula em seu primeiro mandato provaram que é possível fazer reforma em uma democracia. A segunda é que assim como o Brasil não seguiu ao pé da letra as políticas cepalinas o Chile não seguiu ao pé da letra as políticas de Chicago, de fato podemos pinçar exemplos de políticas liberais no Brasil da época dos PNDs e encontrar exemplos de políticas intervencionistas no Chile dos Chicago-boys. Isto é normal, apenas sociopatas imaginam que podem impor a um país um conjunto de políticas totalmente compatível com alguma doutrina. O exercício de pinçar políticas é interessante e pode ser instrutivo, mas neste post estou mais preocupado com as linhas gerais de políticas seguidas no Brasil e no Chile do que em detalhes de políticas específicas.

O ponto que merece destaque é que a ditadura chilena optou por romper com o desenvolvimentismo e adotar medidas pró-mercado, o que o Brasil só fez nos anos 1990, enquanto a ditadura brasileira aprofundou o modelo desenvolvimentista com os três PNDs. A figura abaixo ilustra os efeitos das políticas chilenas e brasileiras no curto e no longo prazo.




A figura mostra um índice de PIB per-capita nos anos seguintes aos golpes. A série do Brasil começa em 1964 e termina em 2001, a série do Chile começa em 1973 e termina em 2010. No total são descritos os 37 seguintes ao golpe, os dados são da PWT 7.1, os períodos são delimitados pelo fato que 2010 é o último ano disponível na base, o Brasil termina em 2001 porque queria manter o mesmo número de períodos para os dois países. Desta forma o eixo horizontal representa o número de anos após o golpe. Note que logo após o golpe brasileiro a economia cresce de forma quase ininterrupta por 17 anos, após este período a economia entra em crise e depois fica estagnada de maneira que em 2001 o índice ainda era menor do que em 1980. No Chile ocorre o contrário, após o golpe ocorre uma recessão e depois um crescimento medíocre. Porém, pouco mais de 10 anos após o golpe a economia do Chile entra em uma trajetória de crescimento que dura até hoje. A lição é velha e conhecida: para colher no futuro é preciso plantar no presente. Reformas exigem sacrifícios, mas, se bem executadas, trazem ganhos significativos no futuro.

Agora olhem novamente a primeira figura. Notem que o Brasil retoma o crescimento no começo da década de 1990 e que este crescimento começa a tomar força em 2003. A década de 1990 no Brasil corresponde ao período entre 1973 e 1983 no Chile. Neste tempo foram feitas reformas importantes que tiraram o Brasil de uma década de estagnação e nos colocaram no caminho do crescimento. Não um crescimento concentrador de renda como o da década de 1970, um crescimento acompanhado de distribuição de renda e de ganhos de produtividade, modestos, mas ainda assim ganhos. Ao abandonar a agenda de reformas e optar pela volta do desenvolvimentismo a presidente Dilma está tirando o Brasil da trajetória chilena e nos condenando a repetir o passado. É um erro grave.

P.S.1. Este post atende a uma demanda de um dos raros leitores que me encaminharam demandas específicas. Espero que tenha atendido, no futuro voltarei ao tema com mais tempo.

P.S.2. O excelente blog Não Pise em Mim também está com um post sobre economia do Chile, recomendo a leitura.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O Desastre da América Latina no Pós-Guerra.

A avaliação de políticas de crescimento econômico é sempre um exercício complicado. Além de exigir horizontes de tempo longos exige uma série de outros cuidados que torna o trabalho do avaliador quase impossível. Suponha que no início da década de 1950 um determinado país tenha implementado uma determinada política de crescimento e que após 60 anos este país continue pobre. É possível afirmar que a política falhou? Não.

Primeiro o avaliador teria de saber se a política foi interrompida. Depois é preciso saber se outras políticas foram utilizadas no país ou se algumas características do país fizeram com que a política não funcionasse. Existem várias técnicas econométricas para tratar destas questões, nenhuma é a prova de erros. Resta então a quem queira avaliar políticas de crescimento buscar o maior número possível de países na esperança de que se vários países adotaram políticas semelhantes com resultados semelhantes então o resultado é devido à política. Claro que este tipo abordagem não oferece respostas definitivas, é sempre possível que todos os países tenham sofrido efeitos não relacionados com a política e que estes efeitos sejam responsáveis pelo resultado observado. Entretanto se um número grande de países adotou determinadas política e todos tiveram resultados semelhantes no mínimo é de se esperar que os defensores da política expliquem o que acontece antes de sair pedindo a reedição desta política.

A América Latina oferece um exemplo interessante. Na segunda metade do século XX praticamente todos os países da América Latina adotaram políticas de estimular a produção industrial local como forma de estimular o crescimento. A tese de que este estímulo era a chave do crescimento estava fundada em estudos da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL). Grosso modo a ideia da CEPAL era que os preços das matérias primas (agrícolas e minerais) tendiam a cair em relação ao preço dos bens industrializados. Desta forma um produtor de soja teria de dar cada vez mais sacas de soja para obter um automóvel ou uma televisão. A conclusão imediata era que um país que só produza matérias primas tenderia a ficar cada vez mais pobre em relação a um país que produza bens industrializados.

Para conseguir estimular a produção industrial os países da América Latina seguiram uma estratégia conhecida como substituição de importações. A ideia era simples: o país proibia a importação de um determinado bem industrializado e usava recursos públicos para subsidiar a produção deste bem no território do país. A indústria automobilística brasileira é um exemplo de como isto aconteceu, até o início da década de 1990 importar um automóvel no Brasil era praticamente impossível. Esta estratégia foi seguida por vários países do final da II Guerra Mundial ao final da década de 1980. Foram quase 40 anos de aplicação de uma política por vários países distintos. A figura abaixo mostra o resultado.



A figura mostra a renda média de países selecionados da América Latina como proporção da renda média dos EUA, quando a linha da figura está subindo o país está crescendo mais do que os EUA, quando está caindo o país está crescendo menos que os EUA. Entre 1951 e 2010 apenas Brasil, Chile, Colômbia e México cresceram mais dos que os EUA. Entre 1951 e 1990, que vou chamar de período desenvolvimentista, apenas Brasil, México e Paraguai cresceram mais do que os EUA, sendo que nos dois últimos ficaram praticamente estáveis. Entre 1990 e 2010, que vou chamar período das reformas, todos, com exceção do Paraguai e do México cresceram mais do que os EUA. Como de 2000 a 2010, apesar da previsão Cepalina de queda de preços das matérias primas, ocorreu um aumento gigantesco nos preços das matérias primas muitas das quais produzidas nos países da América Latina fica difícil analisar o período das reformas. Mas o fracasso do desenvolvimentismo é evidente: quarenta anos de políticas de incentivos à indústria foram incapazes de fazer com que a América Latina se aproximasse dos EUA, pelo contrário, ficamos mais distantes. A guisa de comparação a renda média da Coréia do Sul em 1954 era 10% da dos EUA, em 1990 era 40% e em 2010 era de 61%.

Defensores do desenvolvimentismo são rápidos em dizer que a Coréia do Sul também incentivou a indústria, o que é um fato. Infelizmente não são tão rápidos em explicar por qual razão lá a política de incentivos estimulou (ou não atrapalhou, dependendo do analista) o crescimento lá e aqui não. Retomar o desenvolvimentismo, como tem sido feito por vários governos da América Latina, sem entender o que aconteceu no passado é uma aventura cara e perigosa. Usar dinheiro dos impostos pagos pelas populações muitas vezes miseráveis de nuestra América para financiar empresários sob a promessa que estes empresários vão nos levar ao sonhado desenvolvimento econômico é ter mais ingenuidade do que me parece aceitável. Nossa experiência mostrou que os beneficiários destas políticas não pensam duas vezes antes de apoiar ditadores de ocasião à primeira ameaça de uma mudança nas regras do jogo que diminua as benesses dos incentivos e do protecionismo. Vamos arriscar de novo? Por que desta vez será diferente?

Reconheço que praticamente todos os países hoje desenvolvidos em algum momento incentivaram a indústria, mas esta não é a única característica comum a todos os países desenvolvidos. Existem outras, por exemplo, educação. Todos os países desenvolvidos têm bons sistemas educacionais. Por que desta vez não tentamos o caminho da educação? Por que não destinar os bilhões que o BNDES empresta a juros de pai para filho para criar um sistema educacional padrão FIFA? Não se trata de direita e esquerda, Brizola e Anísio Teixeira fizeram propostas deste tipo. Este investimento em educação garante nossa entrada no primeiro mundo em 20 ou 30 anos? Não, mas o incentivo à indústria também não nos levou ao primeiro mundo. Se escolhermos ela educação pelo menos não estaremos alimentando uma casta de empresários e políticos dispostos a sacrificar a democracia, pelo contrário, estaremos criando um povo educado e quem sabe até capaz de defender nossas liberdades.

sábado, 31 de agosto de 2013

Mais uma Tese para queda da Participação da Indústria no PIB

Esta semana foi muito corrida e não pude dar atenção ao blog, acontece. Porém entre viagens e esperas de reuniões consegui ler o Panoramada Indústria de Transformação Brasileira, recém lançado pela FIESP e um textodo José Oreiro e do Nelson Marconi sobre o que eles chamam de teses ortodoxas arespeito da desindustrizalização brasileira. O texto da FIESP é motivado pelo fenômeno ilustrado do Gráfico 1 do texto e que está reproduzido abaixo.




Fica bem claro que a participação da indústria de transformação no PIB está voltando aos níveis pré-JK. Também é possível observar que este fenômeno começou antes da abertura da economia, antes da estabilização macroeconômica com juros altos e câmbio valorizado e antes da Constituição de 1988. Sendo anterior a estes fenômenos, a prudência recomenda que explicações para queda da participação da indústria no PIB não dependam de nenhum destes fenômenos. Qual seria então a explicação para esta queda? Oreiro e Marconi citam dez teses que eles consideram englobar o pensamento ortodoxo sobre o tema e que eles consideram equivocadas. As teses são:

1. A desindustrialização é um fenômeno mundial.
2. A economia brasileira não está se desindustrializando.
3. A desindustrialização brasileira é decorrência natural do seu estágio de desenvolvimento
4. A indústria é um setor como outro qualquer.
5. O caso da Austrália mostra que a industrialização não é fundamental para um país se tornar membro do primeiro mundo.
6. A desindustrialização brasileira não se deve a apreciação da taxa de câmbio.
7. A apreciação cambial no Brasil é similar a dos demais países emergentes.
8. A perda de competitividade da indústria brasileira deve-se ao baixo dinamismo da produtividade e ao crescimento dos salários.
9. A apreciação cambial é decorrente da implementação do “Estado do Bem-Estar Social”.
10. O câmbio apreciado veio pra ficar.

Como eles mesmos reconhecem as teses não são necessariamente consistentes entre si, posto que defendidas por autores diferentes, mas também não são mutuamente exclusivas entre si, embora possam ser aos pares. Estritamente falando apenas as teses 3 e 8 tentam explicar a desindustrialização. A tese 1 se limita a contextualizar sem explicar o fenômeno. A tese 2 nega o fenômeno. As teses 4 e 5 dizem que o fenômeno não é relevante mas não tratam da existência ou natureza do fenômeno. A tese 6 fala sobre o que não é causa, mas não tenta explicar qual a causa. As teses 7, 8 e 10 tratam do câmbio e não da indústria. Naturalmente conhecendo a opinião dos autores sobre industrialização é possível inferir que estes veem o câmbio como variável fundamental para explicar a participação da indústria no PIB e, portanto, ao tentar explicar o câmbio as teses 7, 8 e 10 também explicariam a queda desta participação. Mas isto só é verdade se aceitarmos que a taxa de câmbio explica a participação da indústria no PIB, o que não é consenso entre economistas e particularmente não é consenso entre economistas ortodoxos que, afinal, seriam os autores das teses.
Desta forma teses propriamente ditas são duas:

3. A desindustrialização brasileira é decorrência natural do seu estágio de desenvolvimento
8. A perda de competitividade da indústria brasileira deve-se ao baixo dinamismo da produtividade e ao crescimento dos salários.

A terceira tese é interessante, mas da forma que está escrita não me comove muito. Sou meio cético a respeito de teorias que envolvem estágios de crescimento para tratar da indústria. No texto eles apresentam o problema de forma mais interessante, particularmente concordo que o aumento da renda per-capita explica parte da queda da participação da indústria no PIB. A oitava tese tem uma casca de banana. A parte do baixo dinamismo da produtividade está perfeita a parte dos baixos salários é controversa, alguém poderia reescrever a tese como: “Crescimento dos salários acima do crescimento da produtividade do trabalho” e não estaria mentindo se dissesse que é uma tese defendida por economistas heterodoxos à la Kaldor. Que fique claro que eu concordo que o baixo crescimento da produtividade é parte do problema.

Fiz esta introdução para apresentar outra tese a respeito da queda da participação da indústria de transformação no PIB, não vou dizer que é minha tese porque imagino que mais gente por aí já tenha dito o mesmo. Eis a tese:

Os fundamentos da economia brasileira (preferências, tecnologia, dotações e instituições) são tais que em equilíbrio a participação da indústria no PIB é baixa. O atual fenômeno nada mais é que um retorno ao equilíbrio após anos fora do equilíbrio devido a políticas pró-indústria.

Não é uma tese sem implicações. Vou falar sobre duas, no futuro escreverei em defesa da tese. A primeira implicação é que se o Brasil pretende reverter este fenômeno deve mudar os fundamentos da economia. Como querer indústria em um país com um dos piores sistemas de educação do mundo e onde é mais fácil ficar rico nos bastidores de Brasília do que empreendendo? Sem capital humano não tem produtividade e sem produtividade não tem indústria sustentável. A ideia do trabalhador-cliente que sustenta o processo de industrialização só faz sentido se este trabalhador for produtivo o suficiente para ter uma renda que o permita ser consumidor. De certa forma estou falando da tese 8, porém com ênfase na produtividade e não no salário. A outra implicação é que, sem mudanças nos fundamentos da economia brasileira, a queda da participação da indústria representa um retorno ao equilíbrio e, portanto, a princípio é desejável. Sendo desejável não deve ser combatida pelo governo.


Em resumo acredito que a participação da indústria de transformação na economia é uma variável endógena. Desta forma não deve ser objeto direto de políticas econômicas. Se é para ter uma indústria mais forte então que se mudem os fundamentos da economia da economia brasileira, do contrário estaremos condenados a ciclos de aumento e queda da indústria.

sábado, 24 de agosto de 2013

O que está acontecendo com o câmbio?

O gráfico abaixo mostra a taxa de câmbio entre real e dólar no Brasil de janeiro de 2008 até hoje, peguei a série na página de cotações do UOL. Pelo gráfico podemos ver dois momentos em que a taxa de câmbio passou de R$ 2,40 por dólar. O primeiro foi no final de 2008, durante a crise financeira, e o segundo foi semana passada. Qual a diferença entre os dois momentos? Olhando o gráfico com cuidado é possível ver que em 2008 a subida se deu de forma repentina, em menos de um mês o dólar passou de menos de R% 1,60 para mais de R$ 2,40. Este tipo de movimento brusco costuma ser causado por movimentos especulativos.




Por alguma razão o mercado começa a comprar dólar, em 2008 a razão foi a crise, e o preço do dólar começa a subir. Esta subida faz com que todo mundo corra para comprar dólares antes que fique ainda mais caro levando a um aumento repentino da demanda por dólares e uma redução da oferta de dólares, afinal quem tem dólar não quer vender se acredita que o preço vai subir. Em situações como esta o Banco Central deve entrar no mercado vendendo dólares. Esta política tem dois efeitos: aumenta a oferta de dólares e sinaliza para o mercado que a alta do dólar pode ser revertida. Como ninguém quer vender barato, principalmente se comprou caro, o mercado começa a vender dólares. Manobras como esta, se bem executadas, podem trazer o câmbio de volta para o valor de antes de tudo começar. Foi o que aconteceu em 2008/09. Note que a intervenção do Banco Central foi para evitar um movimento especulativo que poderia ser danoso à economia como um todo, tal tipo de política não é exatamente um rompimento com o regime de câmbio flutuante. Embora deva reconhecer que é preciso alguma arte para saber quando começar intervir e quando parar de intervir nestas situações. Talvez o fato que em 2008 o Banco Central era presidido por um economista vindo do mercado tenha ajudado no timing.

Desta vez a subida se deu de forma diferente. O dólar saiu do patamar de R$ 1,60 no final de 2011, chegou a R$ 2,00 em meados de 2012 onde ficou por um bom tempo e recentemente teve uma subida íngreme (porém não tanto quanto em 2008) até passar de R$ 2,40. Perceberam a diferença entre uma desvalorização puramente especulativa como a de 2008 e uma desvalorização induzida pelo governo como a atual? Ocorre que câmbio é uma variável difícil de prever e controlar, tudo indica que a recente desvalorização foi mais rápida (não necessariamente maior) que a desejada pelo governo. Existem várias explicações para isto ter acontecido e quase todas guardam um pedaço da verdade. O fato é que o Banco Central resolveu agir como quem combate um movimento especulativo. Vais dar certo? Difícil prever.

Como falei acima câmbio é uma variável complicada. Neste caso além das dificuldades usuais tem um fator que pode complicar a estratégia do Banco Central. Nós não somos os únicos a olhar o gráfico deste post, todo o mercado o conhece. Isto significa que o mercado sabe que o governo deseja um real desvalorizado, até porque vários ministros já disseram isto em momentos diferentes. Sendo assim como acreditar que o governo de fato vai se emprenhar para trazer o dólar de volta a digamos R$ 2,00? Na semana passada o governo deu sinais fortes que não vai deixar o real se desvalorizar, tão fortes que deram resultados e o dólar recuou para menos de R$ 2,40. Mas e se o governo mudar de ideia? Não será a primeira vez que o governo muda de ideia em assuntos importantes, sequer será a primeira vez este ano. O próprio governo não mudou de ideia ao decidir intervir no mercado para não deixar o dólar chegar a R$ 2,50? Valor menor que o Ministro Mantega considerou ideal em 2009.

Esta incerteza tem custo. Se o governo de fato quiser “segurar” o dólar vai acabar gastando mais do que gastaria se tivesse a confiança do mercado. Se o governo mudar de ideia e resolver “aceitar” um câmbio a R$ 2,60 ou mais terá literalmente jogado dinheiro fora. Particularmente sou de opinião que o governo deva deixar o câmbio flutuar, isto evita a tarefa impossível de determinar a taxa de câmbio correta. Mas se o governo pretende fixar um valor ou um intervalo de flutuação para o câmbio é bom que faça isto de maneira clara. Do jeito que está é o pior dos mundos.


P.S. Dada a dificuldade de prever o que vai acontecer com o câmbio se você está com viagem de fim de ano marcado para o exterior e ainda precisa comprar dólares, comece a comprar agora e vá comprando aos poucos até o final do ano. Assim se o dólar subir você já comprou uma parte e não terá de comprar tudo tão caro e se o dólar cair você poderá comprar uma parte a preços mais baixos.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Sobre Médicos Cubanos e a Solução do Problema da Indústria Nacional

Acompanhando o caso da importação de médicos cubanos tive uma ideia que solucionará o problema da indústria no Brasil. Como já comentei em outros posts a participação da indústria no PIB tem caído desde pelos menos a década de 1980, isto preocupa alguns colegas economistas que acreditam que sem uma grande participação da indústria no PIB o país está fadado ao atraso. Não concordo com a tese destes economistas, quem companha o blog já deve ter percebido, mas não sou do tipo que se recusa a ajudar.

Segundo estes economistas que estão preocupados com a indústria, também chamados de desenvolvimentistas ou até novos-mercantilistas, nossa indústria não consegue competir com a do resto do mundo porque os custos em dólares de nossas indústrias são muito altos, em particular o custo do trabalho. Como reduzir salários é uma coisa difícil e, ainda segundo os desenvolvimentistas, para aumentar a produtividade é preciso ter muita indústria, o Brasil está em uma armadilha: a produtividade é baixa porque não temos indústria e não temos indústria porque a produtividade é baixa para nossos salários.

Para quebrar este ciclo perverso, vários desenvolvimentistas defendem uma desvalorização do real. Entre os defensores da desvalorização estão ninguém menos do que a presidente Dilma, o seu adversário nas últimas eleições José Serra, pelo menos dois ministros: Mantega e Pimentel além de ex-ministros que hoje são conselheiros da presidente, entre eles: Bresser, Delfim e Belluzo. Entretanto quando enfim a desvalorização chegou a maioria destes senhores se esqueceu de vir a público defendê-la, sem seus campeões a desvalorização está sendo combatida pelo Banco Central e corre o risco do câmbio não chegar no nível necessário para salvar a indústria

Caso o câmbio não chegue aos R$ 2,60 desejados pelo ministroMantega não há motivo para nossos amigos desenvolvimentistas saírem de seus esconderijos e voltarem aos jornais para pedir a desvalorização do câmbio. Seguindo meu plano vamos competir com a China sem desvalorizar o câmbio. Normalmente cobraria uma pequena fortuna para revelar minha ideia, mas como sou um patriota farei sem cobrar nada nas linhas abaixo.

Primeiro a FIESP faz um campanha em rádios, jornais e TVs dizendo que os trabalhadores brasileiros não querem trabalhar pelo salário ou nas condições oferecidas pela nossa gloriosa indústria. Nesta fase é importante frisar que poderíamos aumentar muito a produção industrial se trabalhadores que aceitassem salários menores para trabalhar em plantas no interior pudessem ser contratados. Uma vez propagandeada esta ideia a indústria abriria um fila para trabalhadores que queiram trabalhar no interior em condições precárias e ganhando menos que os atuais empregados da indústria. Quando ninguém aparecer para fila é hora de dar o bote. Os representantes da indústria anunciam um contrato com uma agência de recrutamento internacional que entrará em contato com governos mundo afora que estejam dispostos a mandar trabalhadores para o Brasil. É importante que os governos dos países escolhidos sejam democráticos e populares com tradição de liberdades políticas e respeito aos direitos humanos, desta forma os trabalhadores que vierem podem ficar tranquilos sabendo que se saírem do programa seus parentes estarão bem. Coréia do Norte e Cuba seriam exemplos de possíveis candidatos. Afinal para o programa dar certo é fundamental que os trabalhadores importados não participem do mercado de trabalho nacional.

Se alguém perguntar sobre salários ou direitos trabalhistas dos empregados o contratante informa que isto não é problema dele. Tais perguntas devem ser feitas a agência que fez o tráfico a intermediação dos trabalhadores que por sua vez remeterá a questão ao país de origem dos trabalhadores. Na segurança deste país os familiares dos trabalhadores, devidamente acompanhados por seguranças bem armados, vão dar depoimentos a respeito de como seus parentes estão felizes vivendo como escravos trabalhadores da indústria brasileira. Com uma simples intermediação resolvemos o problema da indústria, preservamos o valor de nossa moeda e de quebra acabamos com a briga dos economistas sobre o valor do câmbio.

Como? Não gostou? Ficou chocado? Está pensando em como vai ficar o seu salário se a moda pegar? Qual é mesmo sua opinião sobre a vinda dos médicos cubanos?

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Salários da Indústria e o Motivo pelo qual Comemoram a Desvalorização do Real

O gráfico abaixo mostra o salário real médio da indústria dividido pela taxa de câmbio efetiva das importações brasileiras. Grosso modo é uma medida de quanto ganham os trabalhadores da indústria brasileira a preços internacionais, esta variável aumento quando o salário sobre ou o real se valoriza e desce nos casos contrários. Quando a curva do gráfico está subindo significa que os trabalhadores da indústria brasileira estão ganhando mais em termos de moedas estrangeiras. Quanto mais alta a curva mais fácil é para os brasileiros comprar produtos importados ou viajar para o exterior.




Notem que com o Plano Real a curva começa a subir, ou seja, os trabalhadores da indústria brasileira começaram a ganhar mais. O colapso do controle de câmbio na virada de 1998 para 1999 levou a uma grande desvalorização do real que jogou a curva para baixo, ou seja, ficamos mais pobres. Durante o primeiro mandato de Lula a variável subiu quase que continuamente, no segundo só caiu durante a Crise Financeira de 2008, mas se recuperou em seguida.  No começo do governo Dilma a variável continuou subindo, mas aí veio a reviravolta da política econômica e a curva começou a cair. O gráfico termina em junho deste ano, se for colocada a grande desvalorização que ocorreu desde junho o salário descrito no gráfico vai despencar. Por que isto aconteceu? Acredito que tenha ocorrido por decisão do governo.

Se o aumento do salário em moeda externa significa ganhos de renda para os trabalhadores também significa custos para a indústria. Durante os governos FHC e Lula os representantes da indústria não conseguiram convencer o governo a sacrificar a renda dos trabalhadores para tornar a indústria brasileira mais “competitiva”. Com Dilma tudo mudou. A presidente seguiu a cartilha desenvolvimentista de que é preciso desvalorizar o câmbio para aumentar a “competitividade” da indústria. Em termos práticos desvalorizar o câmbio para aumentar a “competitividade” da indústria significa reduzir os salários reais dos trabalhadores da indústria. Sem meias palavras: o governo decidiu que estávamos ganhando muito e era hora de reduzir nossos salários. É o que está acontecendo.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Desembolsos do BNDES e Investimento: Mais um Diagnóstico Errado Induzindo um Tratamento Errado.

Reportagem de O Globo informa que os desembolsos do BNDESpodem chegar a R$ 190 bilhões este ano. A se confirmar este número o BNDES terá aumentado seus desembolsos quase 22% em relação a 2012, no mesmo período o PIB deve crescer menos de 2%. O fato que os desembolsos do BNDES têm crescido de forma significativa nos últimos anos. A figura abaixo mostra os desembolsos do BNDES desde 1997. Entre 1997 e 2012 os desembolsos do BNDES aumentaram 716,75%, no mesmo período o PIB aumentou 368,78% e o investimento aumentou 389,59%, tudo em valores correntes. O resultado é que os desembolsos do BNDES passaram de 2,0% do PIB em 1997 para 3,5% em 2012, o valor máximo do período foi de 4,5% do PIB em 2010.




O discurso oficial é que é preciso estimular o investimento, o fato dos desembolsos do BNDES terem crescido muito mais do que o investimento sugere cautela com este discurso. Vou começar sendo extremamente favorável ao argumento do governo e supor que toda a variação no investimento é devida a variações nos desembolsos do BNDES. Neste caso a maneira de medir o efeito dos gastos do BNDES sobre o investimento seria calcular a razão entre a variação no investimento e a variação nos gastos do BNDES. Fiz isto para todos os anos entre 1997 e 2012, a média de todos os anos deu 1,86. Desta forma podemos dizer que para cada aumento de R$ 1,00 nos desembolsos do BNDES o investimento aumenta em R$ 1,86, ou ainda, os empresários colocam 86 centavos de investimento para cada um real que o governo os empresta para investir. Parece um efeito multiplicador muito pequeno para justificar tanto gasto.

Mas a hipótese que as variações no investimento decorrem de variações nos gastos do BNDES é forte, fiz um pequeno e apressado teste estatístico para checar se esta é uma hipótese razoável. Em uma regressão da variação da taxa de investimento contra a variação dos desembolsos do BNDES como proporção do PIB obtive um coeficiente não significativo dos desembolsos do BNDES como proporção do PIB. Dito de outra forma, as variações dos desembolsos do BNDES em proporção ao PIB não parecem ter efeito significativo sobre as variações da taxa de investimento. A figura abaixo mostra a taxa de investimento, azul claro, e o desembolso do BNDES em relação ao PIB. Note que o segundo cresce muito mais que o primeiro.




Qual razão dos desembolsos do BNDES não terem um impacto multiplicador significativo sobre o investimento? Existem várias respostas para esta pergunta. Uma linha de raciocínio é imaginar que o BNDES empresta dinheiro usando mais critérios políticos do que técnicos, assim em vez de emprestar para empresas com bons projetos o BNDES acaba emprestando para empresas próximas aos governantes de plantão. Um bom teste para esta hipótese é calcular a correlação entre o volume de empréstimos que a empresa consegue junto ao BNDES e as doações que a empresa fez para a campanha da coligação que ganhou as eleições federais. Outra possibilidade é que o BNDES esteja resolvendo um problema que não existe. Apesar do apelo da primeira hipótese, principalmente em tempos de Mensalão e congêneres, a segunda hipótese me parece mais pertinente. Antes deseguir adiante recomendo a leitura do artigo de Sérgio G. Lazzarini, AldoMusacchio, Rodrigo Bandeira-de-Mello e Rosilene Marcon sobre a atuação doBNDES. Destaco aqui a última frase do abstract do paper: “In general, BNDES appears to be generally selecting firms with capacity to repay their loans, as regular commercial banks would do”.

Este é o que considere o ponto central para explicar porque os desembolsos do BNDES não criaram uma expansão equivalente no investimento e no crescimento do Brasil. Existem vários motivos que levam uma firma a não investir, um deles é a falta de acesso ao mercado financeiro. O empresário tem um bom projeto, quer investir, mas não encontra ninguém que financie o projeto.  Se este fosse o problema das empresas beneficiadas pelo BNDES certamente a história teria sido outra. Ocorre que falta de acesso ao crédito é apenas uma das possíveis razões para uma empresa não investir. Acredito que hoje o maior problema do Brasil não seja este, pode até ter sido nas décadas de 1950 a 1970, mas não é mais. As empresas não investem no Brasil porque o ambiente de negócios no Brasil é muito ruim. Noranking do Banco Mundial que classifica os países por facilidade de fazer negócioso Brasil aparece na 130º posição, atrás de Bangladesh, Indonésia e Etiópia!

As empresas não deixam de investir no Brasil por falta de financiamento, deixam de investir porque a dificuldade de fazer negócios torna mais rentável investir em outros lugares. Ao beneficiar empresas específicas o BNDES piora ainda mais a situação. Quem vai investir no Brasil se pode acabar tendo de concorrer com empresas fortemente subsidiadas?

Se o Brasil quer voltar a crescer é melhor usar estes R$ 190 bilhões em infraestrutura, melhora do capital humano e investir pesado em melhorar o ambiente de negócios. Desperdiçar bilhões de reais na solução de um não-problema pode ser o caminho para uma próxima década perdida.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Liberdade e Desigualdade, o que dizem os dados?

Uma das verdades estabelecidas na maioria dos debates sobre liberdade econômica é que quanto maior esta liberdade maior será a desigualdade entre os indivíduos. Sendo assim a perda de liberdade econômica seria o preço a se pagar para morar em uma sociedade sem muita desigualdade. Vários liberais sinceros respondem a esta critica com o argumento que importante é reduzir a pobreza, não à desigualdade. A liberdade econômica faria com que existisse mais riqueza e, mesmo mal distribuída, a existência de mais riqueza faria com que a pobreza diminuísse. Para reforçar esta tese são apresentadas várias evidências que países com maior liberdade econômica têm maior IDH.

A conversa então passa a ser uma discussão de valores. Uns dizem que desde que não existam grandes contingentes de miseráveis, desigualdade não é o problema. Afinal que mal tem se algum bilionário pode queimar milhões de dólares em frivolidades se na ponta de baixo as pessoas tem uma vida digna? Outros afirmam que igualdade é um valor em si e que é melhor viver em um mundo mais pobre, porém sem grandes diferenças de renda. Segundo estes, o fato de alguns terem de trabalhar de sol a sol para garantir uma vida digna a suas famílias e outros usufruírem do bom e do melhor sem nem mesmo ter de trabalhar é um insulto à dignidade humana. Ambos os argumentos aceitam que livre mercado leva a desigualdade.

Eu sempre tive dificuldade com a tese que livre mercado leva a desigualdade. Talvez por ter uma crença que as pessoas são todas muito parecidas umas com as outras eu acredite que deixadas livres as pessoas não vão ficar em situação muito desigual. Por outro lado não confio na existência de um estado desinteressado que tire dinheiro dos ricos e passe para os pobres. Uma vez montado aparato de tirar dinheiros de uns e passar para outros creio ser muito mais fácil que os ricos controlem este aparato em benefício próprio. Desta forma o estado acabaria concentrando renda. É o que acontece quando o BNDES empresta a juros baixos alguns bilhões dos trabalhadores para um grande empresário ou quando o governo desvaloriza o câmbio para proteger a indústria. É claro que sempre vão dizer a concentração de renda é um fenômeno de curto prazo e que no longo prazo tudo será maravilhoso. Acredita quem quer.

Por acaso além de ter estas opiniões sou economista e trabalho com economia aplicada. Desta forma estou acostumado a tirar dúvidas como esta olhando para os dados. Resolvi então pegar os dados e checar se é verdade que liberdade econômica gera desigualdade. Não fiz uma análise com o rigor de um artigo científico, afinal isto é um blog, mas creio que consegui resultados interessantes. Para chegar ao resultado usei uma base de dados com 134 países, peguei os dados de desigualdade do The World Fact Book (sei que os suspeitos de sempre vão dizer que é da CIA, mas não achei outra fonte com Gini para tantos países). O índice de Gini mede a desigualdade de renda, quanto maior o valor deste índice maior a desigualdade. Infelizmente os dados são para anos distintos, não é o ideal, mas foi o que eu achei. Para medir liberdade econômica usei o índice de liberdade econômicada Heritage Foundation, quanto maior o índice maior a liberdade econômica do país. Se a crença que liberdade leva a desigualdade corresponde à verdade é de se esperar uma relação positiva entre liberdade econômica e índice de Gini. Se minha crença estiver certa não haverá nenhuma relação clara, o mercado seria neutro em relação a igualdade. A figura mostra a relação.




Note que pela figura não existe uma relação forte entre liberdade e desigualdade. Mais ainda, a relação que existe é no sentido que maior liberdade econômica ocorre em países com menos desigualdade. Notem que a reta vermelha tem uma leve inclinação negativa. Também fiz uma regressão entre o índice de Gini e o grau de liberdade econômica, fazer esta regressão significa calcular a inclinação da reta da figura. Obtive um coeficiente estimado de -0,19, especificamente encontrei que a reta da figura é dada pela expressão: índice de Gini = 51,63 – 0,19 * Liberdade Econômica. Isto significa que a cada aumento de um ponto na liberdade econômica a desigualdade cai em 0,19 pontos. O coeficiente é significativo a 1% mas fica claro que a liberdade econômica explica muito pouco da desigualdade, o R2 foi de 0,04.


Não foi meu objetivo apresentar um modelo para explicar desigualdade. Tudo que tentei foi estabelecer uma relação entre desigualdade e liberdade econômica. Encontrei uma relação negativa e significativa. Quer dizer que aumentar liberdade econômica é uma receita certa para reduzir a desigualdade? Não, os números não disseram isto, também não perguntei isto aos números. O que quer dizer estão? Quer dizer que, de acordo com estes números, não é possível afirmar que liberdade econômica gera desigualdade. Sei que um refinamento da metodologia, permitindo controle por outras variáveis, pode levar a conclusões diferentes. Até que alguém me mostre estes resultados me reservo ao direito de não acatar argumentos que partam da ideia que mais mercados levem a mais desigualdade. A bola está com os planificadores.