sábado, 31 de agosto de 2013

Mais uma Tese para queda da Participação da Indústria no PIB

Esta semana foi muito corrida e não pude dar atenção ao blog, acontece. Porém entre viagens e esperas de reuniões consegui ler o Panoramada Indústria de Transformação Brasileira, recém lançado pela FIESP e um textodo José Oreiro e do Nelson Marconi sobre o que eles chamam de teses ortodoxas arespeito da desindustrizalização brasileira. O texto da FIESP é motivado pelo fenômeno ilustrado do Gráfico 1 do texto e que está reproduzido abaixo.




Fica bem claro que a participação da indústria de transformação no PIB está voltando aos níveis pré-JK. Também é possível observar que este fenômeno começou antes da abertura da economia, antes da estabilização macroeconômica com juros altos e câmbio valorizado e antes da Constituição de 1988. Sendo anterior a estes fenômenos, a prudência recomenda que explicações para queda da participação da indústria no PIB não dependam de nenhum destes fenômenos. Qual seria então a explicação para esta queda? Oreiro e Marconi citam dez teses que eles consideram englobar o pensamento ortodoxo sobre o tema e que eles consideram equivocadas. As teses são:

1. A desindustrialização é um fenômeno mundial.
2. A economia brasileira não está se desindustrializando.
3. A desindustrialização brasileira é decorrência natural do seu estágio de desenvolvimento
4. A indústria é um setor como outro qualquer.
5. O caso da Austrália mostra que a industrialização não é fundamental para um país se tornar membro do primeiro mundo.
6. A desindustrialização brasileira não se deve a apreciação da taxa de câmbio.
7. A apreciação cambial no Brasil é similar a dos demais países emergentes.
8. A perda de competitividade da indústria brasileira deve-se ao baixo dinamismo da produtividade e ao crescimento dos salários.
9. A apreciação cambial é decorrente da implementação do “Estado do Bem-Estar Social”.
10. O câmbio apreciado veio pra ficar.

Como eles mesmos reconhecem as teses não são necessariamente consistentes entre si, posto que defendidas por autores diferentes, mas também não são mutuamente exclusivas entre si, embora possam ser aos pares. Estritamente falando apenas as teses 3 e 8 tentam explicar a desindustrialização. A tese 1 se limita a contextualizar sem explicar o fenômeno. A tese 2 nega o fenômeno. As teses 4 e 5 dizem que o fenômeno não é relevante mas não tratam da existência ou natureza do fenômeno. A tese 6 fala sobre o que não é causa, mas não tenta explicar qual a causa. As teses 7, 8 e 10 tratam do câmbio e não da indústria. Naturalmente conhecendo a opinião dos autores sobre industrialização é possível inferir que estes veem o câmbio como variável fundamental para explicar a participação da indústria no PIB e, portanto, ao tentar explicar o câmbio as teses 7, 8 e 10 também explicariam a queda desta participação. Mas isto só é verdade se aceitarmos que a taxa de câmbio explica a participação da indústria no PIB, o que não é consenso entre economistas e particularmente não é consenso entre economistas ortodoxos que, afinal, seriam os autores das teses.
Desta forma teses propriamente ditas são duas:

3. A desindustrialização brasileira é decorrência natural do seu estágio de desenvolvimento
8. A perda de competitividade da indústria brasileira deve-se ao baixo dinamismo da produtividade e ao crescimento dos salários.

A terceira tese é interessante, mas da forma que está escrita não me comove muito. Sou meio cético a respeito de teorias que envolvem estágios de crescimento para tratar da indústria. No texto eles apresentam o problema de forma mais interessante, particularmente concordo que o aumento da renda per-capita explica parte da queda da participação da indústria no PIB. A oitava tese tem uma casca de banana. A parte do baixo dinamismo da produtividade está perfeita a parte dos baixos salários é controversa, alguém poderia reescrever a tese como: “Crescimento dos salários acima do crescimento da produtividade do trabalho” e não estaria mentindo se dissesse que é uma tese defendida por economistas heterodoxos à la Kaldor. Que fique claro que eu concordo que o baixo crescimento da produtividade é parte do problema.

Fiz esta introdução para apresentar outra tese a respeito da queda da participação da indústria de transformação no PIB, não vou dizer que é minha tese porque imagino que mais gente por aí já tenha dito o mesmo. Eis a tese:

Os fundamentos da economia brasileira (preferências, tecnologia, dotações e instituições) são tais que em equilíbrio a participação da indústria no PIB é baixa. O atual fenômeno nada mais é que um retorno ao equilíbrio após anos fora do equilíbrio devido a políticas pró-indústria.

Não é uma tese sem implicações. Vou falar sobre duas, no futuro escreverei em defesa da tese. A primeira implicação é que se o Brasil pretende reverter este fenômeno deve mudar os fundamentos da economia. Como querer indústria em um país com um dos piores sistemas de educação do mundo e onde é mais fácil ficar rico nos bastidores de Brasília do que empreendendo? Sem capital humano não tem produtividade e sem produtividade não tem indústria sustentável. A ideia do trabalhador-cliente que sustenta o processo de industrialização só faz sentido se este trabalhador for produtivo o suficiente para ter uma renda que o permita ser consumidor. De certa forma estou falando da tese 8, porém com ênfase na produtividade e não no salário. A outra implicação é que, sem mudanças nos fundamentos da economia brasileira, a queda da participação da indústria representa um retorno ao equilíbrio e, portanto, a princípio é desejável. Sendo desejável não deve ser combatida pelo governo.


Em resumo acredito que a participação da indústria de transformação na economia é uma variável endógena. Desta forma não deve ser objeto direto de políticas econômicas. Se é para ter uma indústria mais forte então que se mudem os fundamentos da economia da economia brasileira, do contrário estaremos condenados a ciclos de aumento e queda da indústria.

sábado, 24 de agosto de 2013

O que está acontecendo com o câmbio?

O gráfico abaixo mostra a taxa de câmbio entre real e dólar no Brasil de janeiro de 2008 até hoje, peguei a série na página de cotações do UOL. Pelo gráfico podemos ver dois momentos em que a taxa de câmbio passou de R$ 2,40 por dólar. O primeiro foi no final de 2008, durante a crise financeira, e o segundo foi semana passada. Qual a diferença entre os dois momentos? Olhando o gráfico com cuidado é possível ver que em 2008 a subida se deu de forma repentina, em menos de um mês o dólar passou de menos de R% 1,60 para mais de R$ 2,40. Este tipo de movimento brusco costuma ser causado por movimentos especulativos.




Por alguma razão o mercado começa a comprar dólar, em 2008 a razão foi a crise, e o preço do dólar começa a subir. Esta subida faz com que todo mundo corra para comprar dólares antes que fique ainda mais caro levando a um aumento repentino da demanda por dólares e uma redução da oferta de dólares, afinal quem tem dólar não quer vender se acredita que o preço vai subir. Em situações como esta o Banco Central deve entrar no mercado vendendo dólares. Esta política tem dois efeitos: aumenta a oferta de dólares e sinaliza para o mercado que a alta do dólar pode ser revertida. Como ninguém quer vender barato, principalmente se comprou caro, o mercado começa a vender dólares. Manobras como esta, se bem executadas, podem trazer o câmbio de volta para o valor de antes de tudo começar. Foi o que aconteceu em 2008/09. Note que a intervenção do Banco Central foi para evitar um movimento especulativo que poderia ser danoso à economia como um todo, tal tipo de política não é exatamente um rompimento com o regime de câmbio flutuante. Embora deva reconhecer que é preciso alguma arte para saber quando começar intervir e quando parar de intervir nestas situações. Talvez o fato que em 2008 o Banco Central era presidido por um economista vindo do mercado tenha ajudado no timing.

Desta vez a subida se deu de forma diferente. O dólar saiu do patamar de R$ 1,60 no final de 2011, chegou a R$ 2,00 em meados de 2012 onde ficou por um bom tempo e recentemente teve uma subida íngreme (porém não tanto quanto em 2008) até passar de R$ 2,40. Perceberam a diferença entre uma desvalorização puramente especulativa como a de 2008 e uma desvalorização induzida pelo governo como a atual? Ocorre que câmbio é uma variável difícil de prever e controlar, tudo indica que a recente desvalorização foi mais rápida (não necessariamente maior) que a desejada pelo governo. Existem várias explicações para isto ter acontecido e quase todas guardam um pedaço da verdade. O fato é que o Banco Central resolveu agir como quem combate um movimento especulativo. Vais dar certo? Difícil prever.

Como falei acima câmbio é uma variável complicada. Neste caso além das dificuldades usuais tem um fator que pode complicar a estratégia do Banco Central. Nós não somos os únicos a olhar o gráfico deste post, todo o mercado o conhece. Isto significa que o mercado sabe que o governo deseja um real desvalorizado, até porque vários ministros já disseram isto em momentos diferentes. Sendo assim como acreditar que o governo de fato vai se emprenhar para trazer o dólar de volta a digamos R$ 2,00? Na semana passada o governo deu sinais fortes que não vai deixar o real se desvalorizar, tão fortes que deram resultados e o dólar recuou para menos de R$ 2,40. Mas e se o governo mudar de ideia? Não será a primeira vez que o governo muda de ideia em assuntos importantes, sequer será a primeira vez este ano. O próprio governo não mudou de ideia ao decidir intervir no mercado para não deixar o dólar chegar a R$ 2,50? Valor menor que o Ministro Mantega considerou ideal em 2009.

Esta incerteza tem custo. Se o governo de fato quiser “segurar” o dólar vai acabar gastando mais do que gastaria se tivesse a confiança do mercado. Se o governo mudar de ideia e resolver “aceitar” um câmbio a R$ 2,60 ou mais terá literalmente jogado dinheiro fora. Particularmente sou de opinião que o governo deva deixar o câmbio flutuar, isto evita a tarefa impossível de determinar a taxa de câmbio correta. Mas se o governo pretende fixar um valor ou um intervalo de flutuação para o câmbio é bom que faça isto de maneira clara. Do jeito que está é o pior dos mundos.


P.S. Dada a dificuldade de prever o que vai acontecer com o câmbio se você está com viagem de fim de ano marcado para o exterior e ainda precisa comprar dólares, comece a comprar agora e vá comprando aos poucos até o final do ano. Assim se o dólar subir você já comprou uma parte e não terá de comprar tudo tão caro e se o dólar cair você poderá comprar uma parte a preços mais baixos.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Sobre Médicos Cubanos e a Solução do Problema da Indústria Nacional

Acompanhando o caso da importação de médicos cubanos tive uma ideia que solucionará o problema da indústria no Brasil. Como já comentei em outros posts a participação da indústria no PIB tem caído desde pelos menos a década de 1980, isto preocupa alguns colegas economistas que acreditam que sem uma grande participação da indústria no PIB o país está fadado ao atraso. Não concordo com a tese destes economistas, quem companha o blog já deve ter percebido, mas não sou do tipo que se recusa a ajudar.

Segundo estes economistas que estão preocupados com a indústria, também chamados de desenvolvimentistas ou até novos-mercantilistas, nossa indústria não consegue competir com a do resto do mundo porque os custos em dólares de nossas indústrias são muito altos, em particular o custo do trabalho. Como reduzir salários é uma coisa difícil e, ainda segundo os desenvolvimentistas, para aumentar a produtividade é preciso ter muita indústria, o Brasil está em uma armadilha: a produtividade é baixa porque não temos indústria e não temos indústria porque a produtividade é baixa para nossos salários.

Para quebrar este ciclo perverso, vários desenvolvimentistas defendem uma desvalorização do real. Entre os defensores da desvalorização estão ninguém menos do que a presidente Dilma, o seu adversário nas últimas eleições José Serra, pelo menos dois ministros: Mantega e Pimentel além de ex-ministros que hoje são conselheiros da presidente, entre eles: Bresser, Delfim e Belluzo. Entretanto quando enfim a desvalorização chegou a maioria destes senhores se esqueceu de vir a público defendê-la, sem seus campeões a desvalorização está sendo combatida pelo Banco Central e corre o risco do câmbio não chegar no nível necessário para salvar a indústria

Caso o câmbio não chegue aos R$ 2,60 desejados pelo ministroMantega não há motivo para nossos amigos desenvolvimentistas saírem de seus esconderijos e voltarem aos jornais para pedir a desvalorização do câmbio. Seguindo meu plano vamos competir com a China sem desvalorizar o câmbio. Normalmente cobraria uma pequena fortuna para revelar minha ideia, mas como sou um patriota farei sem cobrar nada nas linhas abaixo.

Primeiro a FIESP faz um campanha em rádios, jornais e TVs dizendo que os trabalhadores brasileiros não querem trabalhar pelo salário ou nas condições oferecidas pela nossa gloriosa indústria. Nesta fase é importante frisar que poderíamos aumentar muito a produção industrial se trabalhadores que aceitassem salários menores para trabalhar em plantas no interior pudessem ser contratados. Uma vez propagandeada esta ideia a indústria abriria um fila para trabalhadores que queiram trabalhar no interior em condições precárias e ganhando menos que os atuais empregados da indústria. Quando ninguém aparecer para fila é hora de dar o bote. Os representantes da indústria anunciam um contrato com uma agência de recrutamento internacional que entrará em contato com governos mundo afora que estejam dispostos a mandar trabalhadores para o Brasil. É importante que os governos dos países escolhidos sejam democráticos e populares com tradição de liberdades políticas e respeito aos direitos humanos, desta forma os trabalhadores que vierem podem ficar tranquilos sabendo que se saírem do programa seus parentes estarão bem. Coréia do Norte e Cuba seriam exemplos de possíveis candidatos. Afinal para o programa dar certo é fundamental que os trabalhadores importados não participem do mercado de trabalho nacional.

Se alguém perguntar sobre salários ou direitos trabalhistas dos empregados o contratante informa que isto não é problema dele. Tais perguntas devem ser feitas a agência que fez o tráfico a intermediação dos trabalhadores que por sua vez remeterá a questão ao país de origem dos trabalhadores. Na segurança deste país os familiares dos trabalhadores, devidamente acompanhados por seguranças bem armados, vão dar depoimentos a respeito de como seus parentes estão felizes vivendo como escravos trabalhadores da indústria brasileira. Com uma simples intermediação resolvemos o problema da indústria, preservamos o valor de nossa moeda e de quebra acabamos com a briga dos economistas sobre o valor do câmbio.

Como? Não gostou? Ficou chocado? Está pensando em como vai ficar o seu salário se a moda pegar? Qual é mesmo sua opinião sobre a vinda dos médicos cubanos?

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Salários da Indústria e o Motivo pelo qual Comemoram a Desvalorização do Real

O gráfico abaixo mostra o salário real médio da indústria dividido pela taxa de câmbio efetiva das importações brasileiras. Grosso modo é uma medida de quanto ganham os trabalhadores da indústria brasileira a preços internacionais, esta variável aumento quando o salário sobre ou o real se valoriza e desce nos casos contrários. Quando a curva do gráfico está subindo significa que os trabalhadores da indústria brasileira estão ganhando mais em termos de moedas estrangeiras. Quanto mais alta a curva mais fácil é para os brasileiros comprar produtos importados ou viajar para o exterior.




Notem que com o Plano Real a curva começa a subir, ou seja, os trabalhadores da indústria brasileira começaram a ganhar mais. O colapso do controle de câmbio na virada de 1998 para 1999 levou a uma grande desvalorização do real que jogou a curva para baixo, ou seja, ficamos mais pobres. Durante o primeiro mandato de Lula a variável subiu quase que continuamente, no segundo só caiu durante a Crise Financeira de 2008, mas se recuperou em seguida.  No começo do governo Dilma a variável continuou subindo, mas aí veio a reviravolta da política econômica e a curva começou a cair. O gráfico termina em junho deste ano, se for colocada a grande desvalorização que ocorreu desde junho o salário descrito no gráfico vai despencar. Por que isto aconteceu? Acredito que tenha ocorrido por decisão do governo.

Se o aumento do salário em moeda externa significa ganhos de renda para os trabalhadores também significa custos para a indústria. Durante os governos FHC e Lula os representantes da indústria não conseguiram convencer o governo a sacrificar a renda dos trabalhadores para tornar a indústria brasileira mais “competitiva”. Com Dilma tudo mudou. A presidente seguiu a cartilha desenvolvimentista de que é preciso desvalorizar o câmbio para aumentar a “competitividade” da indústria. Em termos práticos desvalorizar o câmbio para aumentar a “competitividade” da indústria significa reduzir os salários reais dos trabalhadores da indústria. Sem meias palavras: o governo decidiu que estávamos ganhando muito e era hora de reduzir nossos salários. É o que está acontecendo.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Desembolsos do BNDES e Investimento: Mais um Diagnóstico Errado Induzindo um Tratamento Errado.

Reportagem de O Globo informa que os desembolsos do BNDESpodem chegar a R$ 190 bilhões este ano. A se confirmar este número o BNDES terá aumentado seus desembolsos quase 22% em relação a 2012, no mesmo período o PIB deve crescer menos de 2%. O fato que os desembolsos do BNDES têm crescido de forma significativa nos últimos anos. A figura abaixo mostra os desembolsos do BNDES desde 1997. Entre 1997 e 2012 os desembolsos do BNDES aumentaram 716,75%, no mesmo período o PIB aumentou 368,78% e o investimento aumentou 389,59%, tudo em valores correntes. O resultado é que os desembolsos do BNDES passaram de 2,0% do PIB em 1997 para 3,5% em 2012, o valor máximo do período foi de 4,5% do PIB em 2010.




O discurso oficial é que é preciso estimular o investimento, o fato dos desembolsos do BNDES terem crescido muito mais do que o investimento sugere cautela com este discurso. Vou começar sendo extremamente favorável ao argumento do governo e supor que toda a variação no investimento é devida a variações nos desembolsos do BNDES. Neste caso a maneira de medir o efeito dos gastos do BNDES sobre o investimento seria calcular a razão entre a variação no investimento e a variação nos gastos do BNDES. Fiz isto para todos os anos entre 1997 e 2012, a média de todos os anos deu 1,86. Desta forma podemos dizer que para cada aumento de R$ 1,00 nos desembolsos do BNDES o investimento aumenta em R$ 1,86, ou ainda, os empresários colocam 86 centavos de investimento para cada um real que o governo os empresta para investir. Parece um efeito multiplicador muito pequeno para justificar tanto gasto.

Mas a hipótese que as variações no investimento decorrem de variações nos gastos do BNDES é forte, fiz um pequeno e apressado teste estatístico para checar se esta é uma hipótese razoável. Em uma regressão da variação da taxa de investimento contra a variação dos desembolsos do BNDES como proporção do PIB obtive um coeficiente não significativo dos desembolsos do BNDES como proporção do PIB. Dito de outra forma, as variações dos desembolsos do BNDES em proporção ao PIB não parecem ter efeito significativo sobre as variações da taxa de investimento. A figura abaixo mostra a taxa de investimento, azul claro, e o desembolso do BNDES em relação ao PIB. Note que o segundo cresce muito mais que o primeiro.




Qual razão dos desembolsos do BNDES não terem um impacto multiplicador significativo sobre o investimento? Existem várias respostas para esta pergunta. Uma linha de raciocínio é imaginar que o BNDES empresta dinheiro usando mais critérios políticos do que técnicos, assim em vez de emprestar para empresas com bons projetos o BNDES acaba emprestando para empresas próximas aos governantes de plantão. Um bom teste para esta hipótese é calcular a correlação entre o volume de empréstimos que a empresa consegue junto ao BNDES e as doações que a empresa fez para a campanha da coligação que ganhou as eleições federais. Outra possibilidade é que o BNDES esteja resolvendo um problema que não existe. Apesar do apelo da primeira hipótese, principalmente em tempos de Mensalão e congêneres, a segunda hipótese me parece mais pertinente. Antes deseguir adiante recomendo a leitura do artigo de Sérgio G. Lazzarini, AldoMusacchio, Rodrigo Bandeira-de-Mello e Rosilene Marcon sobre a atuação doBNDES. Destaco aqui a última frase do abstract do paper: “In general, BNDES appears to be generally selecting firms with capacity to repay their loans, as regular commercial banks would do”.

Este é o que considere o ponto central para explicar porque os desembolsos do BNDES não criaram uma expansão equivalente no investimento e no crescimento do Brasil. Existem vários motivos que levam uma firma a não investir, um deles é a falta de acesso ao mercado financeiro. O empresário tem um bom projeto, quer investir, mas não encontra ninguém que financie o projeto.  Se este fosse o problema das empresas beneficiadas pelo BNDES certamente a história teria sido outra. Ocorre que falta de acesso ao crédito é apenas uma das possíveis razões para uma empresa não investir. Acredito que hoje o maior problema do Brasil não seja este, pode até ter sido nas décadas de 1950 a 1970, mas não é mais. As empresas não investem no Brasil porque o ambiente de negócios no Brasil é muito ruim. Noranking do Banco Mundial que classifica os países por facilidade de fazer negócioso Brasil aparece na 130º posição, atrás de Bangladesh, Indonésia e Etiópia!

As empresas não deixam de investir no Brasil por falta de financiamento, deixam de investir porque a dificuldade de fazer negócios torna mais rentável investir em outros lugares. Ao beneficiar empresas específicas o BNDES piora ainda mais a situação. Quem vai investir no Brasil se pode acabar tendo de concorrer com empresas fortemente subsidiadas?

Se o Brasil quer voltar a crescer é melhor usar estes R$ 190 bilhões em infraestrutura, melhora do capital humano e investir pesado em melhorar o ambiente de negócios. Desperdiçar bilhões de reais na solução de um não-problema pode ser o caminho para uma próxima década perdida.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Liberdade e Desigualdade, o que dizem os dados?

Uma das verdades estabelecidas na maioria dos debates sobre liberdade econômica é que quanto maior esta liberdade maior será a desigualdade entre os indivíduos. Sendo assim a perda de liberdade econômica seria o preço a se pagar para morar em uma sociedade sem muita desigualdade. Vários liberais sinceros respondem a esta critica com o argumento que importante é reduzir a pobreza, não à desigualdade. A liberdade econômica faria com que existisse mais riqueza e, mesmo mal distribuída, a existência de mais riqueza faria com que a pobreza diminuísse. Para reforçar esta tese são apresentadas várias evidências que países com maior liberdade econômica têm maior IDH.

A conversa então passa a ser uma discussão de valores. Uns dizem que desde que não existam grandes contingentes de miseráveis, desigualdade não é o problema. Afinal que mal tem se algum bilionário pode queimar milhões de dólares em frivolidades se na ponta de baixo as pessoas tem uma vida digna? Outros afirmam que igualdade é um valor em si e que é melhor viver em um mundo mais pobre, porém sem grandes diferenças de renda. Segundo estes, o fato de alguns terem de trabalhar de sol a sol para garantir uma vida digna a suas famílias e outros usufruírem do bom e do melhor sem nem mesmo ter de trabalhar é um insulto à dignidade humana. Ambos os argumentos aceitam que livre mercado leva a desigualdade.

Eu sempre tive dificuldade com a tese que livre mercado leva a desigualdade. Talvez por ter uma crença que as pessoas são todas muito parecidas umas com as outras eu acredite que deixadas livres as pessoas não vão ficar em situação muito desigual. Por outro lado não confio na existência de um estado desinteressado que tire dinheiro dos ricos e passe para os pobres. Uma vez montado aparato de tirar dinheiros de uns e passar para outros creio ser muito mais fácil que os ricos controlem este aparato em benefício próprio. Desta forma o estado acabaria concentrando renda. É o que acontece quando o BNDES empresta a juros baixos alguns bilhões dos trabalhadores para um grande empresário ou quando o governo desvaloriza o câmbio para proteger a indústria. É claro que sempre vão dizer a concentração de renda é um fenômeno de curto prazo e que no longo prazo tudo será maravilhoso. Acredita quem quer.

Por acaso além de ter estas opiniões sou economista e trabalho com economia aplicada. Desta forma estou acostumado a tirar dúvidas como esta olhando para os dados. Resolvi então pegar os dados e checar se é verdade que liberdade econômica gera desigualdade. Não fiz uma análise com o rigor de um artigo científico, afinal isto é um blog, mas creio que consegui resultados interessantes. Para chegar ao resultado usei uma base de dados com 134 países, peguei os dados de desigualdade do The World Fact Book (sei que os suspeitos de sempre vão dizer que é da CIA, mas não achei outra fonte com Gini para tantos países). O índice de Gini mede a desigualdade de renda, quanto maior o valor deste índice maior a desigualdade. Infelizmente os dados são para anos distintos, não é o ideal, mas foi o que eu achei. Para medir liberdade econômica usei o índice de liberdade econômicada Heritage Foundation, quanto maior o índice maior a liberdade econômica do país. Se a crença que liberdade leva a desigualdade corresponde à verdade é de se esperar uma relação positiva entre liberdade econômica e índice de Gini. Se minha crença estiver certa não haverá nenhuma relação clara, o mercado seria neutro em relação a igualdade. A figura mostra a relação.




Note que pela figura não existe uma relação forte entre liberdade e desigualdade. Mais ainda, a relação que existe é no sentido que maior liberdade econômica ocorre em países com menos desigualdade. Notem que a reta vermelha tem uma leve inclinação negativa. Também fiz uma regressão entre o índice de Gini e o grau de liberdade econômica, fazer esta regressão significa calcular a inclinação da reta da figura. Obtive um coeficiente estimado de -0,19, especificamente encontrei que a reta da figura é dada pela expressão: índice de Gini = 51,63 – 0,19 * Liberdade Econômica. Isto significa que a cada aumento de um ponto na liberdade econômica a desigualdade cai em 0,19 pontos. O coeficiente é significativo a 1% mas fica claro que a liberdade econômica explica muito pouco da desigualdade, o R2 foi de 0,04.


Não foi meu objetivo apresentar um modelo para explicar desigualdade. Tudo que tentei foi estabelecer uma relação entre desigualdade e liberdade econômica. Encontrei uma relação negativa e significativa. Quer dizer que aumentar liberdade econômica é uma receita certa para reduzir a desigualdade? Não, os números não disseram isto, também não perguntei isto aos números. O que quer dizer estão? Quer dizer que, de acordo com estes números, não é possível afirmar que liberdade econômica gera desigualdade. Sei que um refinamento da metodologia, permitindo controle por outras variáveis, pode levar a conclusões diferentes. Até que alguém me mostre estes resultados me reservo ao direito de não acatar argumentos que partam da ideia que mais mercados levem a mais desigualdade. A bola está com os planificadores.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Oferta, Demanda e o Erro de Diagnóstico de 2011.

Parte dos economistas do governo insiste que o Brasil tem um problema de demanda, segundo estes economistas é preciso que o governo use de política monetária e fiscal para estimular a demanda como forma de gerar mais crescimento. À bem da verdade é preciso dizer que a parcela de economistas que insistem no diagnóstico de demanda caiu nos últimos tempos e já é bem reduzida. Há alguns anos os que insistíamos que o problema estava na oferta éramos bem poucos, não mais que um punhado de acadêmicos e economistas de mercado dispostos a enfrentar a opinião do governo (aqui cabe uma deferência a Alexandre Schwartsman do blog A Mão Visível, é fácil “bater de frente” com o governo quando se está protegido pela academia, o que não era e não é o caso dele e ao meu amigo Adolfo Sachsida que não se intimidou mesmo estando no IPEA). Com o tempo analistas de mercado se juntaram ao coro da oferta, o front acadêmico aumentou e vários economistas de renome falaram publicamente que o problema era a oferta. Os reforços fizeram efeito e mesmo dentro do governo começou a se falar de oferta. Medidas como a Lei dos Portos e as privatizações concessões entraram na agenda do governo. O Banco Central perdeu o medo de segurar a demanda e começou a elevar a taxa de juros. Enfim, começamos, ainda que timidamente, a buscar o caminho certo.

Entretanto vozes influentes no governo ainda pressionam por políticas de demanda. O coro fica mais alto cada vez que o COPOM aumenta os juros ou saem resultados de baixo crescimento. Já expliquei várias vezes que uma economia próxima ao pleno emprego vai crescer tanto quanto cresce a produtividade, o motivo é simples, sem ninguém para contratar a única forma de aumentar a produção é aumentando o quanto cada trabalhador produz. Como a produtividade no Brasil cresce a uma taxa baixa, a economia brasileira cresce a uma taxa baixa. Mas não é disso que vou falar neste post. O ponto do post é ilustrar, mais uma vez, que o que impede a economia brasileira de crescer é a oferta, não a demanda, e explorar um pouco as consequências do crescimento da demanda acima da oferta. A figura abaixo ilustra o primeiro ponto.




Na figura as barras azuis escuras mostram o crescimento do gasto no Brasil (C+I+G, para os que estudaram contabilidade nacional) entre 2001 e 2012, as barras em azul claro mostram o crescimento do PIB. Notem que a partir de 2005 a economia brasileira apresentou crescimento dos gastos maiores que crescimento do PIB em todos os anos exceto 2011. Na prática isto significa que desde 2005, com exceção de 2011, estamos aumentando nossos gastos mais do que aumentamos nossa produção. É como se uma família aumentasse sua despesa mais do que aumenta sua renda. No primeiro momento a família vai ter um ganho de bem estar por estar gastando mais. Em algum momento no futuro a despesa terá de ser paga e a família vai passar por momentos difíceis, não necessariamente, eu sei, volto a este ponto no final. A segunda figura ilustra este fenômeno.



Até 2005 o Brasil produzia mais do que gastava, isto permitiu que acumulássemos recursos para o futuro. A partir de 2005 o padrão começou a mudar, a despesa começou a subir mais do que a produção e nossa “poupança” começou a cair. Até então estávamos guardando menos para o futuro. Em 2009 começamos a gastar o que tínhamos “poupado”, naquele momento foi uma escolha justificável. O mundo estava em crise e praticamente nenhum governo pensa no futuro quando o desastre bate à porta. Claro que do conforto da sala de aula, sem ter que tomar decisões, eu pude criticar as medidas de 2008/09, mas não sou cínico o suficiente para dizer que não concordaria com medidas semelhantes se eu estivesse no governo. Daí vem 2010, anos de eleições, a prudência econômica dizia que era o momento de começar o ajuste, mas a estratégia política dizia o contrário. Como não raro acontece o bom senso eleitoral foi mais convincente que o bom senso econômico e o governo optou por adiar o ajuste.

Em 2011 não havia mais desculpas para adiar o ajuste. Primeiro ano de mandato presidencial, maioria folgada no Congresso e popularidade em alta. Era momento perfeito para apertar o cinto e levar o Brasil a voltar a gastar menos do que produzimos. O governo até tentou, em 2011 o gasto cresceu menos que o PIB, mas ao primeiro sinal de problemas o governo recuou e, com aplausos de vários economistas, investiu ainda mais nos estímulos à demanda. Foi um erro grave que teve origem na confusão entre determinantes do crescimento de uma economia com desemprego alto e os determinantes do crescimento de uma economia com desemprego baixo. Uma das consequências do erro é que hoje precisamos de um ajuste muito maior do que o necessário em 2011, mas pode piorar. Ainda não gastamos tudo que guardamos para o futuro, note que a área positiva é maior que a negativa, mas estamos caminhando para isto. Pior, guardamos quando as taxas de juros mundiais estavam baixas e corremos o risco de ter de “pegar emprestado” quando as taxas de juros estiverem altas. É a receita para o desastre.


Um último ponto, falei acima que não necessariamente gastar mais do que se tem leva a dias difíceis no futuro. Isto acontece guando o gasto é feito em atividades que aumentarão a renda futura mais do que os juros aumentarão as dividas. É o caso de um empreendedor que se endivida para fazer seu negócio ou de um jovem que se endivida para fazer um curso superior que aumentará muito seu salário. Infelizmente, uma rápida olhada na economia brasileira mostra que não foi isto que aconteceu: não investimos em infraestrutura, não melhoramos a educação e nem mesmo fizemos as reformas necessárias para aumentar a produtividade. Nós fomos do tipo irresponsável.

domingo, 4 de agosto de 2013

Ah se nossos keynesianos fossem assim...

Janet Yellen é uma economista de tradição keynesiana que está cotada para a presidência do FED. Reparem nesta declaração dela:

"— Com o emprego muito longe de seu nível máximo e com a inflação abaixo da meta de 2%, acredito ser apropriado que o progresso do mercado de trabalho assuma o lugar central na condução da política monetária."

Repararam que ela condiciona uma política monetária visando emprego a uma combinação de desemprego alto e inflação baixa? Não me tornei keynesiano nem acredito que se resolva problemas do mercado de trabalho com política monetária. Mas venho tentando dizer faz tempo que o debate sobre o uso de política monetária para "aquecer" a economia só faz sentido em condições específicas e, no Brasil, com inflação alta e acima da meta e com desemprego abaixo da média (o contrário do que Janet Yellen descreveu para os EUA) usar política monetária não faz o menor sentido. Ah se nossos keynesianos fossem assim...

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Crescimento e Inflação nos governos FHC, Lula e Dilma: Tem algo de errado no governo da presidenta!

De uns tempos para cá um esporte muito praticado no Brasil é comparar os governos do PSDB e do PT. Vou entrar no jogo, mas vou usar uma abordagem ligeiramente diferente, meu ponto é que Lula e FHC fizeram governos com muitas semelhanças e Dilma destoou dos dois. Na realidade a inflexão começou no segundo mandato de Lula, despontou com o PAC e ganhou força com o combate a crise, mas só se revelou claramente como uma agenda de contra reformas no governo Dilma.

Para fins de análise vou usar taxa de crescimento e inflação, duas variáveis que sempre estão entre as mais citadas nas páginas de economia dos diversos jornais e nos discursos de críticos e defensores (ainda existe algum?) da política econômica de Dilma. Nos dois mandatos de FHC a economia cresceu a uma taxa média de 2,31% ao ano, nos dois mandatos de Lula cresceu a uma taxa de 4,05% ao ano e no mandato de Dilma, considerando 2011 e 2012, cresceu a uma taxa de 1,8% ao ano. A inflação média dos oitos anos de FHC foi de 9,25% ao ano, nos oitos anos de Lula foi de 5,79% ao ano e nos dois anos de Dilma foi de 6,17%. Os números de Lula e FHC são conhecidos e foram temas de debates na campanha de 2010. A campanha de Lula, como era de se esperar, explorou o fato que Lula governou com maior crescimento e menor inflação que FHC. A campanha de Serra também explorou este fato, mas por razões que desconheço e espero que algum dia alguém me explique.

Agora que estamos longe da próxima campanha podemos contextualizar um pouco mais estas comparações. Vou inserir dois fatores na análise: (i) Lula governou em um período onde todos os países emergentes cresceram mais do que no período FHC e (ii) Dilma só governou por dois anos da amostra (1995 a 2012) e não se pode comparar dois anos com oito anos, mas é possível comparar estes dois anos com os primeiros dois anos de FHC e Lula. A figura abaixo ilustra o primeiro fator.




Note que durante os anos de FHC as economias emergentes como um todo cresceram menos do que os anos de Lula e Dilma. Para colocar em números os países emergentes cresceram a uma taxa média de 4,2% no primeiro mandato de FHC, 4,5% no segundo mandato de FHC, 7,4% no primeiro mandato de Lula, 6,3% no segundo mandato de Lula e 5,2% nos dois anos de Dilma. Ocorre que as economias emergentes incluem um grande número de países que são bastante heterogêneos entre sim, os países emergentes da Ásia, China à frente, crescem a taxas absurdamente altas e que países como o Brasil dificilmente vão conseguir acompanhar pelo simples fato que não são tão pobres como a China e não estão dispostos a aceitar um governo autoritário que priorize o crescimento. Falei sobre isto em momento de loucura nacional onde alguns acreditaram que estávamos começando um período de crescimento Chinês.

Um conjunto de países mais comparáveis são os países da América Latina. Em termos de PIB per-capita o Brasil não se destaca nem como muito rico nem como muito pobre e em termos políticos o Brasil segue o padrão do Continente de estar tentando construir uma democracia após passar por uma ditadura focada no crescimento econômico. Claro que existem diferenças importantes entre os países da América Latina, mas, na falta de um conjunto perfeito de comparação, é o conjunto que vou usar. A figura acima mostrou a comparação governo a governo, para evitar o tédio vou consolidar os governos Lula e FHC. No governo FHC o Brasil cresceu a uma taxa de 2,31% e a América Latina cresceu a uma taxa de 2,23%, no governo Lula o Brasil cresceu a uma taxa de 4,05% e a América Latina cresceu a uma taxa de 4,12%. Pode-se então afirmar que tanto sob Lula quando sob FHC a economia brasileira cresceu a mesma taxa que a América Latina. Nos dois anos de Dilma o Brasil cresceu a uma taxa de 1,8% ao ano e a América Latina a uma taxa de 3,79% ao ano, mais que o dobro do Brasil!

Mas é bom evitar conclusões apressadas. Note que nos primeiros mandatos de FHC e de Lula o Brasil cresceu menos que a América Latina, mais ainda, olhando ano a ano nos inícios dos primeiros mandatos de FHC e Lula o Brasil cresceu bem menos que a América latina. Seria então um padrão crescer menos que a América Latina nos dois primeiros anos de governo e recuperar depois? Por quê? A teoria dos ciclos políticos pode apresentar uma resposta sofisticada a esta pergunta, não segurei este caminho. Tomarei uma rota mais simples e vou tentar mostrar porque FHC e Lula “forçaram” uma recessão nos primeiros anos de seu governo. Para isto vou colocar inflação na história.

FHC iniciou seu primeiro mandato em 1995, no ano anterior o Brasil tinha começado uma tentativa séria de acabara com a hiperinflação que desgraçava o país desde a década de 1980. Em 1994 a inflação no Brasil foi de 916,4%! FHC tomou posse com um grande objetivo: acabar de vez com a inflação. Em 1995 a inflação foi de 22,4% ao ano caiu para 1,65% em 1998 e voltou a subir até o pico de 12,5% em 2002 (último ano de seu mandato). De ponta a ponta FHC reduziu muito a taxa de inflação do Brasil e isto teve um custo. Lula recebeu o país com uma inflação de 12,5% ao ano. Um número baixo para os padrões da década de 1980, mas muito alto para os padrões civilizados que o Brasil buscava no início do século XXI. Assim como FHC, Lula foi obrigado a priorizar o combate à inflação no início de seu governo. De fato a inflação sob Lula começou a cair, chegou a um mínimo de 3,1% em 2006 e terminou em 5,9% em 2010. A figura abaixo ilustra esta história.




Note que entre 1995 e 2010 se observou um padrão de queda do produto (descontado o crescimento médio da América Latina) junto com queda da inflação. O padrão não é observado apenas no governo Dilma. Nos dois anos de Dilma observou-se uma redução significativa do crescimento em relação à América Latina sem que ocorresse uma queda da inflação. O que mudou de Dilma para FHC e Lula? Muita coisa, ao tomar posse Dilma deixou claro que seu compromisso era com o crescimento da indústria, até aí ainda vai, e que as políticas monetária (câmbio e inflação) e fiscal seriam usadas para incentivar a indústria. O foco saiu da estabilidade monetária e equilíbrio fiscal e passou para o desenvolvimentismo, o resultado da mudança foi clara: recessão sem redução de inflação. Espero que a presidente retorne ao caminho de FHC e Lula antes que seja muito tarde, mas temo que já seja muito tarde.