terça-feira, 25 de março de 2014

A Tirania dos Especialistas - Algumas impressões sobre uma leitura obrigatória

Acabei de ler o último livro do William Easterly: The Tyranny of the Experts: Economists, Dictators and the Forgotten Rights of the Poor. Acompanho o trabalho do Easterly há muitos anos, afinal vários textos dele são leituras obrigatórias para os que militam na área de crescimento econômico. Pelo menos dois textos deles estão na lista de leitura que recomendo aos alunos da UnB que me procuram para trabalhar com crescimento: Policy, Technology Adoption and Growth e It's Not Factor Accumulation: Stylized Facts and Growth Models, além dos textos sobre América Latina. Em vários momentos a maneira como meu pensamento sobre crescimento mudou seguiu ou buscou inspiração nos textos dele. Do meu fascínio inicial por capital humano e tecnologia, passando pela preocupação com políticas e instituições, chegando à conclusão que produtividade importa mais que fatores e finalmente reencontrando Hayek e a idéia de ordem espontânea. Em cada um destes momentos esbarrei em algum texto do William Easterly. Desta forma não creio que seja coincidência ou obra do acaso que eu tenha ficado muito impressionado e tenha me identificado completamente com este último livro.

De saída o livro apresenta um suposto caso de camponeses expulsos de suas terras em Ohio para atender a uma política pública, na seqüência ficamos que o caso é real, mas aconteceu em Uganda. A história nos alerta como a reação a violação de diretos de pobres em um país africano pode ser diferente da reação ao mesmo tipo de violação se ocorresse em um país do ocidente. Na sequência o autor fala do debate que nunca ocorreu entre Hayek e Myrdal. O primeiro defendendo a ordem espontânea e o segundo defendendo o desenho consciente. Por ordem espontânea entende-se a idéia que indíviduos livres são capazes de encontrar os caminhos que levam para o desenvolvimento e por desenho consciente entende-se a idéia que autocratas ajudados por especialistas é que seriam capazes de desenhar e implementar políticas que levem ao desenvolvimento. Pela lógica da ordem espontânea é fundamental garantir o respeito aos direitos individuais dos pobres tanto quanto se garante estes direitos aos ricos. Pela outra lógica é preciso concentrar poderes no estado de forma que este possa implementar a políticas necessárias ao desenvolvimento, mesmo que isso leve ao ocasional desrespeito a direitos individuais como no caso de Uganda.

Infelizmente para o autor do livro e para este blogueiro o debate que nunca aconteceu foi vencido por Myrdal e pelos especialistas em desenvolvimento econômico que nos anos seguintes usaram vários países do então dito terceiro mundo como laboratório para suas idéias e estratégias de crescimento. Aliás o livro apresenta como bônus um resumo da história do pensamento sobre desenvolvimento econômico apontando os principais autores e onde estes autores aplicaram suas idéias, não raro em pareceria com ditadores e em explícita violação dos direitos individuais dos supostos beneficiados pela sabedoria dos especialistas. Mas o forte do livro são as críticas aos especialistas e os vários exemplos históricos.

Antes de seguir para os exemplos Easterly apresenta as três dicotomias que vão guiar o livro, são elas:
  1. Folha em branco ou aprender com a história: Países devem ser pensados como uma folha em branco pronta para receber os planos de desenvolvimento econômicos ou a história de cada país deve ser considerada quando se pensa nos efeitos de determinadas políticas?
  2. Bem-estar das nações ou dos indivíduos: Quando se pensa em riqueza e/ou bem-estar a unidade de referência relevante deve ser a nação ou o indivíduo?
  3. Desenho consciente ou ordem espontânea: O desenvolvimento decorre de políticas desenhadas por especialistas ou de soluções espontâneas de cada indivíduo para os problemas que vão surgindo?
Com estas três questões em mente Easterly apresenta uma grande variedade de exemplos históricos passando por diversos países de vários continentes. Da África a um bloco de quarteirões em Nova Iorque passando pela Ásia e pela Colômbia somos apresentados a uma gama de exemplos históricos que nos levam a ver que as segundas opções de cada uma das dicotomias acima, apesar de frequentemente ignoradas na literatura de desenvolvimento, podem nos ajudar a compreender o fenômeno da pobreza e entender como este problema é e foi enfrentado em vários tempos e lugares.

Outra preocupação do autor foi evitar debates secundários ou mesmo sem razão que povoam as discussões a respeito das três dicotomias acima. Dentre estes "falsos" debates está o que contrapõe estado e mercado, na realidade ambos se completam e agem ora em áreas distintas ora em conjunto. O exemplo que o autor oferece é a construção do Canal de Erie e como o regime democrático de respeito a direitos individuais fez com que o estado agisse para construir o canal. O grande debate é sobre direitos individuais. A questão é que tanto o estado quanto o mercado devem agir dentro dos limites estabelecidos pelo respeito aos direitos fundamentais de cada indivíduo. Caso alguém tenha alguma dúvida sobre quais são esses direitos fundamentais basta repetir o exemplo do começo do livro e pensar no episódio ocorrendo em um país ocidental.

Termino com uma das reflexões que está no livro e que tem me acompanhado nos últimos anos. A defesa da liberdade e dos respeito aos direitos individuais tem um aspecto moral que é provável que a maioria das pessoas concordem. Alguns, dentre os quais me incluo, acreditam que indivíduos livres buscando resolver seus problemas também levam as soluções mais eficientes para o desenvolvimento econômico. Se esta é de fato a forma mais eficiente é objeto de debate e até agora ninguém tem a resposta definitiva, mas, dado o caráter moral da escolha, me parece razoável que ônus da prova caiba aos que querem atropelar os direitos individuais em nome dos esquemas desenvolvidos por especialistas a serviço direto ou indireto dos tiranos que assolam os países em desenvolvimento.








Um comentário:

  1. Um bom exemplo tupiniquim dessa tirania dos experts é a Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_da_Vacina

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