terça-feira, 29 de abril de 2014

Comentários sobre Crescimento e Aumento da Produtividade na Minuta de Programa de Governo do PT

Hoje o Estadão divulgou a minuta das propostas do PT para um segundo mandato de Dilma (link aqui). São dois documentos, um tratando da estratégia eleitoral e outro das diretrizes para o programa de governo. Segundo a reportagem os documentos não são definitivos e ainda serão submetidos a discussões no partido. De toda forma, mesmo não sendo definitivo, o documento permite ter uma idéia do que pode vir a ser a base da política econômica nos próximos anos. A leitura do texto com a diretrizes para o programa de governo é fundamental para os que acompanham a economia brasileira. Abaixo comento a parte que trata de crescimento e produtividade, tema que estudo já tem mais de quinze anos. O texto do PT está em vermelho e meus comentários estão em preto.

CRESCIMENTO & AUMENTO DA PRODUTIVIDADE
59. A continuidade e sustentabilidade, no segundo mandato de Dilma Rousseff, da GRANDE TRANSFORMAÇÃO iniciada em 2003, com Lula, terá como meta o crescimento mais acelerado da economia brasileira nos próximos anos. Essa expansão está intimamente ligada, entre outros fatores, ao aumento da produtividade, especialmente no setor industrial, que poderá ser favorecido pelo início do novo ciclo de expansão global.
O crescimento da produtividade é o principal caminho para o crescimento de longo prazo, no Brasil eu diria que é o único caminho mesmo no médio prazo. Se por um lado o PT reconhece a importância da produtividade por outro lado é modesto em definir o papel central dessa variável. Outro problema é a fixação com a indústria. Estamos na era da informação, serviços de alta tecnologia formam o novo setor dinâmico da economia. Montar Ipad é indústria de transformação, desenhar softwares para o Ipad é serviço. Onde está o caminho para riqueza?

60. A ampliação e qualificação do mercado interno e a expansão das exportações põem no centro da política econômica a questão da produtividade. Seu incremento não se dará, como querem (e anunciam) os conservadores, pela redução dos salários, em especial do Salário Mínimo; pelo aumento do desemprego, que faça pressão sobre a renda dos trabalhadores; ou por uma “reforma trabalhista” que atente contra direitos laborais e produza a precarização do emprego.
Na realidade economistas desenvolvimentistas tem sido mais insistentes em apontar o crescimento do salário acima da produtividade do trabalho como um dos problemas centrais da economia brasileira, particularmente da indústria, reduzir salários reais é o principal argumento para defender a desvalorização do câmbio e/ou a tolerância com a inflação. A referência aos conservadores me pareceu proselitismo ideológico. A reforma das leis trabalhistas é sim uma bandeira reformista, mas também não está restrita a setores conservadores e/ou liberais. Hoje no mesmo Estadão um ministro de Dilma pedia por flexibilização das leis trabalhistas (link aqui). Da mesma forma um dos principais programa do governo, o Mais Médico, só foi possível porque o governo "driblou" a lei trabalhista.


61. O incremento da produtividade passa:
62. Pela inovação resultante da aplicação da ciência e da tecnologia aos processos de trabalho. O Governo tem feito sua parte e deverá aumentar seu empenho nessa direção. Mas cabe também à iniciativa privada, sobretudo àqueles setores beneficiados por isenções fiscais e creditícias do Estado, contribuir para esse processo de mudanças dos paradigmas de produção e adensamento das cadeias produtivas de grande escala e fortes efeitos de transbordamentos tecnológicos;
Aqui tem um amostra da visão do estado como líder do processo de inovação. Não cabe também a iniciativa privada contribuir com este processo, é o contrário. Cabe a inciativa privada liderar esse processo e ao governo ajudar, ou pelo menos não atrapalhar. Mesmo ignorando esta questão central fica a dúvida sobre como o governo tem feito a parte dele para a ciência e tecnologia. Mandar aluno de graduação estudar no exterior pode até ser uma boa maneira de qualificar a força de trabalho, mas dificilmente será o caminho para aprimorar o desenvolvimento científico do país. Marcelo Hermes Lima, um dos biólogos mais produtivos e citados do Brasil, tem um blog sobre ciência onde ele acompanha a produção científica nacional, a leitura do blog dele não é animadora (aqui o link para um post recente onde ele comenta a queda do impacto relativo da ciência brasileira).

63. Pela capacitação da força de trabalho por meio do aprimoramento que vem sendo feito no sistema educacional brasileiro. Têm papel importante, neste particular, os programas específicos na área do ensino técnico profissionalizante do PRONATEC, Escolas Técnicas federais, estaduais e Sistema S, ampliação das carreiras de engenharia e de ensino superior técnico. É fundamental a mobilização dos estados e municípios nessa direção para atender à valorização salarial e de capacitação dos professores do ensino básico e a ampliação da infraestrutura educacional. Essa mobilização garantirá a necessária regionalização da qualificação profissional e universalização da qualidade do ensino básico público, semelhante ao ocorrido com a universalização da cobertura;
Concordo tanto no diagnóstico que capacitação da força se trabalho é fundamemtal quanto no que o estado tem um papel importante neste processo. Porém eu recomendo menos ênfase na questão salarial dos professores e mais na estrutura de incentivos da carreira docente. Por ter influência e liderança nos sindicatos este é um trabalho que o PT poderia fazer com mais chances de sucesso que qualquer outro partido.

64. Pelo aprofundamento do modelo de retroalimentação consumo-investimento-produtividade baseado no processo redistributivo de renda, que garante simultaneamente inclusão social e ampliação de escala e do mercado doméstico;
Ele está falando do Brasil? O aumento significativo e persistente do consumo foi incapaz de fazer com que nossa taxa de investimento se sustentasse acima de 20%, o que já não seria grandes coisas. Ademais a taxa de investimento hoje está menor que no início do governo Dilma. Do lado da produtividade a questão é ainda mais grave. Da academia à imprensa especializada todos que estudam ou observam a produtividade no Brasil concluem que nossa produtividade é baixa e cresce pouco.

65. Pela inovação dos processos de gestão dos empreendimentos públicos e privados;
66. Pela consolidação do vasto processo de reconstrução da infraestrutura energética e logística;
67. Pela extensão e fortalecimento das tecnologias de informação (TI) e a generalização da banda larga na Internet;
68. Por uma consistente redução da burocracia, que entrava a atividade produtiva e o comércio.
Não creio que alguém seja contra nenhum destes ítens. Porém, em se tratando de um partido que governa o país já vai para doze anos, era de se esperar alguma sugestão de como conseguir cada um deste objetivos e porque não foram alcançados nos últimos anos. Do jeito que está fica mais parecido com discurso de assembléia do que com um programa de governo. O último ponto é um dos que considero mais importantes para o crescimento da produtividade, fiquei um tanto quanto desapontado com a maneira como o tema foi tratado. Quero crer que o documento final fará uma análise mais profunda destas questões.

69. Por novas medidas de política econômica nas áreas monetária, cambial e fiscal que desonerem – com claras contrapartidas em matéria de produtividade e emprego – a atividade empresarial;
Que tal baixar os juros, desvalorizar o câmbio e desonerar setores estratégicos? Heim? O governo já fez isto e não funcionou? Pois é... Dizem que Einstein falou que a definição de insanidade é fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes, se foi ele quem falou confesso que não sei, mas a frase se aplica bem a este ponto. Por fim não deveria ser preciso dizer que aumentar a produtividade tem que ser interesse do empresário e não barganha em um processo de troca de favores. Se empresários pedem favores do governo para aumentar a produtividade é porque algo de muito errado está acontecendo. Até onde eu saiba a melhor forma para fazer com que empresários queriam aumentar a produtividsde sem pedir nada em troca é expor as empresas à concorrência.

70. Por uma política de comércio exterior que priorize processos equilibrados de integração produtiva regional, a proteção legal de nosso mercado e do sistema produtivo e estimule a abertura de novas fronteiras comerciais globais.
Proteção não combina com ganhos de produtividade, pelo contrário.

71. Todas essas medidas serão implementadas com a preservação do equilíbrio macroeconômico, combinadas, ao mesmo tempo, com a adoção de políticas monetária, cambial e tributária capazes de priorizar a atividade produtiva, nos marcos do Pacto pela Estabilidade Fiscal e de controle da inflação, enunciado em 2013.
Como isto vai ser feito? Este e os dois pontos anteriores sugerem uma tentativa de usar o câmbio para proteger a indústria. É isto? Se for, por que não dizer? Como conciliar a desvalorização do câmbio com a manutenção do salário real, ou melhor, para que desvalorizar o câmbio se o salário real não vai cair? Onde o documento é sincero? No ponto 60 ou nos pontos 69 a 71? Existe um debate sobre o câmbio, é um debate onde as posições estão bem definidas, tenho meu lado no debate, sou contra ajustar o câmbio para proteger a indústria ou qualquer setor, defendo câmbio flutuante. É claro que o PT pode tomar o lado que preferir no debate, é direito dele, só não pode é pegar um pedaço de cada lado e apresentar bônus sem ônus. Outra questão é que o governo já tentou implementar estas medidas e recuou, vai tentar novamente sem entender onde errou? Sei que estou me repetindo, mas o assunto merece a repetição e o documento também se repetiu.

72. O fortalecimento de uma política industrial, em sintonia com o que vem sendo feito nas maiores cadeias produtivas do país – automobilística, petroleira, complexo da saúde, por exemplo, – recolocará a indústria nacional em condições de competitividade. Ao mesmo tempo, a criação de cadeias integradas de valor com países vizinhos, garantirá importantes condições de competitividade, como tem ocorrido na Ásia, por exemplo.
Nos quase doze anos de governo petista a indústria reduziu sua participação no PIB. Se tirarmos os primeiros anos do primeiro mandato de Lula o discurso e a prática de políticas industriais foram constantes no período petista. O BNDES colocou centenas de bilhões de reais na criação de campeões nacionais. Por que mesmo assim a indústria está perdendo participação no PIB. Que fique claro que eu não vejo a queda da participação da indústria no PIB como um problema, portanto não penso soluções para esta questão. Mas se alguém ver como problema é melhor que tenha soluções que funcionem e, de preferência, que sejam baratas. A política industrial do petismo é cara e não funciona. Quanto a Ásia é curioso usar os campeões daquelas paradas como exemplo quando se fala de política industrial e esquecer de como funciona a poupança, o investimento e o capital humano por lá. Sou obrigado a aceitar que não temos exemplos de industrialização tardia bem sucedida no longo prazo sem política industrial, por outro lado não temos exemplos de industrialização tardia bem sucedida no longo prazo sem poupança e capital humano. Porém temos exemplo de industrialização tardia sem investimento em capital e humano e sem poupança, o Brasil é um exemplo, o PT nasceu da insatisfação da sociedade com o resultado deste modelo...

73. Da mesma forma, o apoio técnico, creditício e fiscal à micro, pequena e média empresa, ao lado de medidas de desburocratização, que vem sendo implementadas, deverá ganhar maior impulso nos próximos quatro anos. Devemos continuar estimulando o empreendedorismo dos brasileiros.
A melhor maneira de atrapalhar o empreendedorismo é tentar estimular o empreendedorismo. Se o governo quer estimular os empreendedores o melhor a fazer é reduzir os principais obstáculos que o próprio governo coloca aos empreendedores. Além do já conhecido excesso de burocracia é de se perguntar como alguém pode entrar em um mercado e desafiar as empresas estabelecidas se estas últimas tem proteção e crédito barato do governo?

Assim termino meus comentários, como era de se esperar, não gostei das linhas gerais das propostas governistas para o próximo mandato de Dilma. Se for por aí o governo vai continuar na indecisão que o paralisa hoje e a economia continuará estagnada e sob ameaça constante da volta da inflação. É muito pouco para um partido que está no terceiro mandato presidencial consecutivo. Vou aguardar o documento final, mas não creio que mude muito, o PT de Dilma é um partido com medo de tomar posições, faz um discurso de senso comum, manda aceno para todos os lados e propõe medidas e objetivos contraditórios. Uma pena que seja assim.

P.S. Como desconfiava a estratégia eleitoral passa por juntar os governo de Dilma e Lula para esconder o desastroso governo Dilma. Espero que a oposição fique atenta para não cair neste truque, é fundamental deixar claro que quem está disputando a eleição é Dilma e não Lula. Especificamente, Dilma está pedindo mais quatro para os eleitores, a resposta ao pedido dela depende do que ela fez nos quatro anos que teve e não do que Lula fez nos oito anos dele. Gostaria que os amigos que entendem de ciência política falassem sobre este ponto.

sábado, 26 de abril de 2014

Proteção, socorros e mais proteção... Até quando?

Duas notícias me incomodaram esta semana, nada de novo, muito pelo contrário, me incomodaram de velhas que são. A primeira foi a intenção do governo de criar um fundo garantidor para bancar a inadimplência no empréstimo de carros. A idéia e socorrer o setor que mais uma vez reclama das baixas vendas e estoques acumulando. Em troca o governo quer a redução das margens de lucro no setor. Seria cômico se não fosse trágico, creio que poucos países concederam tantos benefícios à indústria automobilística em troca de reduções de margem de lucro e manutenção de emprego. Ainda assim a margem de lucros dessa indústria no Brasil está entre as mais altas do mundo e a cada dificuldade o setor pede mais benefícios para manter o emprego. É chantagem explícita que o governo aceita, não só o atual diga-se de passagem.
O fato é que as vendas do setor automobilístico aumentaram nos últimos anos por conta de políticas de estímulo, notadamente isenção de impostos, e do crédito fácil e barato para os padrões nacionais. A isenção de impostos por tempo determinado tem o efeito de fazer que com os consumidores antecipem suas compras, pode até ser um artifício engenhoso para superar uma crise, mas tem limites e consequências. Uma das consequências é a redução da compra de carro no futuro. Imagine alguém que comprou um carro em 2010 pretendendo ficar três anos com o carro. Daí que em 2012 veio a redução de impostos e o sujeito resolveu trocar o carro, é muito provável que ele não queria trocar novamente em 2013. Se o plano é ficar três anos com o carro ele só vai trocar em 2015. O consumo que foi antecipado por conta da redução de impostos é o consumo que não foi efetivado no futuro. Da mesma forma o crédito barato é reflexo de uma determinada conjuntura econômica, forçar o crédito barato em outra conjuntura pode acabar por estimular um endividamento exagerado e ainda boicota os esforços do BC para combater a inflação, o que odie encarecer ainda mais o crédito.
Além disto tem um ponto crucial na construção do tal fundo. Quem vai pagar a conta? Entendo que o fundo possa funcionar como um seguro contra a inadimplência, até aí tudo bem. Mas se o Tesouro entrar com recursos para viabilizar o fundo, se estão negociando margens é provável que entre, é preciso deixar claro wue pessoas que não andam de carro estarão financiando os que vão comprar carros novos. É o tipo de transferência de renda cruel, que leva renda dos mais pobres para a classe média ou para os ricos. Curioso que os que estão muito preocupados com a desigualdade ignorem tais questões. Outra possibilidade é que o custo do seguro seja pago pelos consumidores, caso em que os bons pagadores vão acabar pagando pelos caloteiros. Uma última hipótese é que o custo fique com as montadoras, pouco provável, mas neste caso haveria um efeito no preço que acabaria fazendo que mais uma vez bons pagadores paguem por quem fica inadiplente. Como as duas últimas alternativas podem ser implementadas pelo mercado sem necessidade de negociar margens com o governo, creio que algum recurso público vá entrar na jogada. Neste caso, quando olhar para a diarista que vai de ônibus fazer diária em sua casa saiba que ela está ajudando a financiar seu carro novo.
A segunda notícia que me incomodou foi um projeto de lei do deputado Vicentinho (PT/SP) que pretende proibir órgãos públicos de comprar livros no exterior, trata-se do PL 7299 de 2014 (link aqui). Seria cômico se não fosse trágico que em plena era da informação um deputado queira dificultar o livre fluxo de conhecimento. Não estou falando de um deputado qualquer, daquele tipo folclórico que se destaca por projetos estapafúrdios, Vicentinho é uma das principais lideranças do partido que governa o país já vai para doze anos. Não aprendemos com a lei de informática? Atrapalhar o fluxo de informação é fatal para um país que precisa desesperadamente de aumentar a produtividade, um país que clama por desenvolvimento técnico-científico. Vale a pena sacrificar o país por conta de empresários e trabalhadores de um determinado setor? O deputado Vicentinho parece pensar que sim. Os que estão propondo mais socorro ao setor automobilístico também parecem pensar que sim. Até quando?


segunda-feira, 21 de abril de 2014

Minha Homenagem a Tiradentes

Foi em 1792, um certo Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes, foi executado por liderar um revolta contra a Coroa Portuguesa. Os revoltosos foram motivados por aumento de impostos. Não descarto que agentes das colônias inglesas que se declararam independentes em 1776 tenham se infiltrado na revolta, afinal eles também se revoltaram por impostos altos e, como todos sabem, tudo que fazemos por aqui tem que ser motivado por alguém de lá. É certo que tal como os jovens da Venezuela da hoje se revoltam por conta de agentes americanos os inconfidentes do século XVIII só se revoltaram por influência de agentes do futuro império.

Mas porque se revoltar contra impostos? São os impostos que garantem o bem-estar dos pobres. Não é por acaso que a Coroa os condenou. Como alguém se recusa a ajudar os mais necessitados? Só porque alguns membros da corte levam vida de ricos enquanto os pobres continuam e continuarão (posso dizer que o conhecimento de quem está no século XXI) não quer dizer que é justo reclamar dos impostos. Esse Tiradentes só pode ser da classe média! O tipo de gente que não tem solidariedade, que para manter seus luxos se recusa a sustentar a corte, digo, os pobres.

É pior! Grita o intelectual do interior paulista. Além de egoísta os que reclamam de impostos são burros. Não entendem que é preciso sustentar uma aristocracia forte, que precisamos de nossos campeões da corte para enfrentar o estrangeiro. Só falta agora macaquearem os yankees e começarem com esta história de "nós o povo". Não sabem da nada! Se desejamos ser uma colônia bem sucedida precisamos taxar a classe média e transferir a renda para os campeões de nossa metrópole. Os que se revoltam contra estas transferências são contra o Brasil e merecem mesmo ser enforcados e esquartejados.

E assim surgiu o "classe média sofre" no Brasil. Condenado a sustentar burocratas em nome dos pobres e os ricos em nome do progresso. Odiado por existir e ser quem é, chamado de hipócrita por seus valores morais e constantemente acusados de egoístas e burros. Somos profissionais liberais, funcionários públicos, professores, pequenos e médios empresários e tantas outras profissões que não abrem as portas da fortuna mas não despertam os discursos e o interesse de caridosos burocratas. Somos a classe média brasileira. Vítimas do estado e da violência desde de tempos imemoriais ainda somos obrigados a agradecer nossos algozes.

Viva Tiradentes! Viva a Inconfidência! Viva a Liberdade! Liberdade mesmo que tardia ainda é nosso lema!



quinta-feira, 17 de abril de 2014

Novamente a produtividade no Brasil está em foco

Reportagem da revista The Economist desta semana trata do maior problema da economia brasileira: o baixíssimo crescimento da produtividade (link aqui). Produtividade no Brasil é um tema que está na minha agenda de pesquisa desde o final da década de 1990. Aqui no Blog já falei mais de uma vez a respeito da produtividade. Porém com a reportagem da The Economist não poderia deixar de voltar ao tema. O título da reportagem antecipa o que vem no texto: “The 50-year snooze”, algo como “A soneca de 50 anos”. Se alguém ainda fica com dúvida a respeito do que vem pela frente a imagem que ilustra a reportagem é um sujeito deitado em uma rede olhando o que parece ser uma praia. Para os que não se animaram de ler a reportagem o comentário feito pelo blog Selva Brasilis deixa claro do que a The Economist está falando. Se você ficou cético a respeito do Selva Brasilis esta frase tirada da reportagem coloca um ponto final em qualquer dúvida: “The moment you land in Brazil you start wasting time”, ou seja, “No momento que você pousa no Brasil você começa a perder tempo”. Então a revista mostra os números de produtividade do trabalho no Brasil e todos aqueles que já estavam pensando em exigir uma retratação começam a pensar novamente, os números justificam o que foi dito. Somos um país que não se preocupa com produtividade, ou, como diz a revista, a cultura de custo de oportunidade está ausente do Brasil.

Para não repetir os números da revista resolvi apresentar números alternativos, outros atores interpretando o mesmo roteiro. Em vez de produto por pessoa empregada vou apresentar produto por hora trabalhada. Para isto peguei o produto em preços nacionais constantes da Penn World Table 8.0 e dividi pelas horas trabalhadas, para obter esta última multipliquei as goras médias trabalhadas pelo número de pessoas trabalhando. Usei três países: Brasil, Coréia do Sul e Estados Unidos. O Brasil é o caso de interesse, a Coréia do Sul é o exemplo de sucesso e os Estados Unidos são a referência. A figura ao lado mostra a produtividade do trabalho no Brasil e na Coréia do Sul como proporção da dos EUA. Para os que não gostam de ler gráficos alguns números resume a história. Em 1965 a produtividade do trabalho no Brasil era 15% da americana e a da Coréia do Sul era 11% da americana, em 2011, a do Brasil era 17% da americana e a da Coréia do Sul 50%. Enquanto a Coréia do Sul se aproximava da economia líder o Brasil mal conseguia segui-la, dito de outra forma, enquanto a Coréia do Sul se aproximou da fronteira de produção mundial o Brasil ficou mais ou menos na mesma distância.

Outra medida de produtividade usada pelos economistas é a chamada Produtividade Total dos Fatores, conhecida como PTF. Enquanto a produtividade do trabalho é de fácil interpretação, representa o valor produzido por hora de trabalho, a PTF não tem uma interpretação direta. Estritamente falando a PTF representa a parte do produto que não é explicada por capital ou por trabalho dada uma determinada função de produção. Como as medidas de capital e de trabalho envolvem vários problemas e o próprio conceito de função é, para dizer o mínimo, polêmico a interpretação da PTF é um exercício delicado. Não por acaso a PTF também costuma ser chamada de medida de nossa ignorância. Por conta de todas estas complexidades a Penn World Table só apresenta a PTF com preços nacionais em índices (não recomendo usar os outros preços para o Brasil). Desta forma não é possível comparar o nível da PTF entre Brasil, Coréia do Sul e Estados Unidos, mas podemos comparar como a PTF cresceu em cada um destes países. A figura ao lado mostra a PTF para os três países. Novamente os resultados são cruéis para o Brasil. Nos EUA a PTF cresceu 38% entre 1965 e 2011, na Coréia do Sul a PTF cresceu 92% e no Brasil cresceu apenas 6%. Por esta medida a Coréia do Sul mais uma vez mostra que está se aproximando da economia líder, enquanto o Brasil está ficando mais longe do líder. Por mais que a PTF seja questionável seu uso é interessante por apontar as ineficiências de outros fatores, na produtividade do trabalho um acréscimo de capital, mesmo que ineficiente, pode ser visto como ganho de produtividade, a PTF tenta resolver este problema. Os números da PTF sugere que temos ineficiências no capital e no trabalho. Alguém está surpreso? Eu não estou. Sempre haverá quem prefira atacar o conceito de PTF enquanto finge que não temos ineficiência em praticamente tudo, até parece que só a PTF denuncia estas ineficiências...



Os não economistas podem estar questionando quais os efeitos práticos dessa discussão. Como estes conceitos afetam nossas vidas? Nos nossos bolsos, respondo. O último gráfico mostra a evolução do PIB per-capita no Brasil e na Coréia do Sul como proporção dos EUA. Em 1965 um coreano médio tinha uma renda equivalente a 10% do americano médio, no mesmo ano o brasileiro médio tinha uma renda que era 16% do americano médio. Em 2011 a situação era outra, enquanto a renda do brasileiro médio 21% da renda do americano médio a coreano era de 70%! .Tivéssemos conseguido crescer no ritmo da Coréia nossa renda hoje seria, em média, o triplo da que de fato é. Considere os números que mostrei antes de aderir aos que vão reclamar da The Economist ou tentar desviar o foco da discussão. Já passou da hora do Brasil levar a sério a questão da produtividade. Ignorar que o problema central da economia brasileira é a baixa produtividade e o baixo crescimento da produtividade nos levará a repetir a história.




quarta-feira, 16 de abril de 2014

Mais sobre o RU da UnB

Ontem fiz um post a respeito do RU da UnB. O objetivo do post era fazer uma defesa do modelo de vouchers para alimentação dos estudantes da UnB. O post teve alguma repercussão e levou uma pessoa a quem eu respeito e que trabalha no RU a me mandar alguns dados que eu desconhecia e que jogam uma luz na questão dos custos do RU da UnB. Para quem não tem paciência de ler o post anterior é útil saber que uma das questões colocadas é que o custo de um almoço no RU é de R$ 9,69 enquanto era possível comer uma prato de 445g de qualidade superior por R$ 9,60 no restaurante self-service administrado pela mesma empresa que administra o RU. A partir deste números sugeri um vale-refeição de R$ 10,00 para os estudantes pobres e o fim do RU, no lugar dele ficariam vários restaurantes concorrendo no campus.

Devo dizer que a idéia de subsídios focados e vouchers não é minha e eu continuo acreditando que é a melhor forma de resolver problemas que envolve subsídios que permitam o acesso de setores mais pobres a bens serviços considerados importantes por quem de direito. Na realidade a lógica dos vouchers é mais ampla e pode ter mais aplicações na UnB, inclusive na questão da moradia, mas esta é outra conversa. Voltando ao ponto da UnB as informações que recebi deixam claro que o problema é mais complexo e que o valor que sugeri para os vouchers pode não ser o adequado. Vamos aos fatos:


  1. O preço da refeição do RU refere-se a 850g incluindo sobremesa, este é o consumo médio de quem come no RU. O valor de R$ 2,50 permite que se repita quantas vezes desejar, só existe limite para carnes e frutas.
  2. O edital prevê o uso de cortes de primeira no RU, o exemplo que recebi foi alcatra, ocorre que a comida é feita em panelões a vapor, pelo que entendi este é o padrão que se usa para fazer comida para um grande número de pessoas. A comida a vapor não tem o mesmo gosto da comida de panela, isto explica o gosto pior da comida do RU.
  3. O restaurante executivo estava presente no edital. Neste ponto ressalto que sou simpático à idéia de existir este restaurante, se não ficou claro no meu post original que fique agora. Os que me acompanham sabem que quando listo FHC e Bush Jr em uma lista de argumentos é porque sou favorável, ou pelo menos simpático, ao argumento contrário. Espero não ter decepcionado ninguém com esta revelação.
  4. Agora o argumento fatal para os vouchers, pelo menos no curto prazo. Existe um limite legal para o quanto a universidade pode pagar de bolsa alimentação, este limite é de R$ 304 por aluno por mês. Pelos preços praticados em Brasília este valor não permitiria aos estudantes obter as três refeições diárias que eles podem fazer no RU. Pelo que entendi os estudantes pobres recebem um subsídio maior que os demais, não sei se pagam algo no atual sistema. O fato é que sem a mudança da lei ou pelo menos uma revisão nos valores previstos na lei o sistema de vouchers pode piorar a situação dos alunos pobres.
  5. A UnB nunca segregou a quem oferecer subsídios e deseja manter esta política. Entendo e até respeito este argumento, mas discordo profundamente. Sou contra subsídios generalizados. Qualquer política de subsídios deve ter seu público alvo bem definido e deve ter muito claro porque este público alvo merece receber o subsídio. Não podemos esquecer que subsídios consistem em transferência de renda dos que pagam impostos para os que recebem o subsídio. Se vai ser feita uma transferência de renda é melhor saber para quem está sendo feita e, na minha avaliação, tentar garantir que a transferência é de ricos para pobres e não o contrário. Este é o principal argumento favoráveis aos vouchers. Aqui o debate encontra a discussão sobre políticas sociais focadas ou universais, é uma discussão fundamental.
  6. O contrato de licitação foi avaliado e aprovado pelo TCU. Em cinco meses a UnB gastou cerca de R$ 2.400.000 com quatro unidades do RU em funcionamento. Em 2012, antes da vigência do contrato, a UnB gastou cerca de R$ 12 milhões entre janeiro e novembro com apenas uma unidade de RU em funcionamento. A própria abertura do RU nos Campi do Gama e Ceilândia só foi possível por conta deste contrato. Essas informações reforçam o que eu tinha dito quanto à confiança nas pessoas que administram o RU e a UnB.

Por fim a pessoa que me mandou as informações que compartilhei acima afirma não saber a "solução milagrosa para atender a gregos e troianos" e que a UnB já economizou alguns milhões graças ao contrato de terceirização. A verdade é que não existe solução capaz de agradar a todos, buscar uma solução deste tipo pode um tanto quanto perigoso, principalmente para os mais vulneráveis. Via de regra, existem exceções mas este não é o caso, políticas públicas implicam em beneficiar alguns às custas de uns tantos. Mudar a política implica em mudar os beneficiados e portanto em agradar os que entram na lista de beneficiados e desagradar os que saem da lista. A questão é que os que saem da lista geralmente conseguem se articular para vender a idéia que seu prejuízo é o prejuízo de todos, particularmente dos mais pobres. É uma artimanha moralmente questionável, mas de uso generalizado. Para ir além da UnB é por conta destas artimanhas que nos dizem que ao transferir renda para grandes empresários que não raro figuram nas listas de homens mais ricos do mundo estamos ajudando aos mais pobres.

Se não é possível agradar gregos e troianos é possível e, na minha opinião, desejável agradar uns e desagradar outros. É tudo uma questão de escolha. Para saber quem agradar e quem desagradar cito um trecho do e-mail que recebi:


"Acho que temos que discutir a política de subsídios sim, mas com o horizonte de qual é o papel de uma universidade, que certamente não é o de fornecer alimentação. A UnB investe alguns milhões ano para pessoas que sequer necessitam desse subsídio enquanto poderíamos estar investindo em tecnologia, salas de aula, etc."
Na minha avaliação são essas pessoas que "sequer necessitam desse subsídio" quem devemos desagradar. É fácil? Não, pelo contrário, é muito difícil. Dificuldade que é muito maior por conta dos vários outros desafios que a atual administração da UnB está enfrentando. Uma guerra de cada vez, teria dito Lincoln, ao ser instigado a declarar guerra aos europeus que tentavam quebrar o bloqueio marítimo que o Norte havia imposto ao Sul durante a Guerra Civil. A reitoria já desconsiderou o conselho de Lincoln e entrou em várias guerras, todas nobres, pode-se dizer, mas a nobreza de cada uma não muda o fato que são várias. Cabe as pessoas que se importam com a UnB e estão fora da reitoria apontar as outras guerras necessárias. Aceito o argumento de que não é o momento para desagradar mais um grupo de interesse, o argumento que eu não aceito é o de que não subsidiar a todos implica em uma discriminação indesejável.
Encerro esse segundo post reconhecendo que a implementação dos vouchers é mais complexa do que o primeiro post sugeriu, particularmente por conta da lei. Estou convencido que o atual contrato foi uma melhora em relação ao anterior, via de regra terceirização é melhor que administração direta. Entretanto devo dizer que a conversa me deu mais argumentos para acreditar que no futuro devíamos caminhar para a ótica de vouchers com vários restaurantes concorrendo nos quatro campi da UnB.


terça-feira, 15 de abril de 2014

O RU da UnB e a Política Social de um Liberal Chato

Estou acompanhando com interesse os debates sobre a iniciativa da empresa que administra o Restaurante Universitário (RU) da UnB. Para os que não estão acompanhando a história faço um pequeno resumo do que está acontecendo tomando por referência o excelente relato do Blog do Apolinário (link aqui). Há algum tempo a administração da UnB, em uma iniciativa que teve meu apoio, decidiu terceirizar o RU, não sei precisar quando isto aconteceu, mas deve ter a sido há mais ou menos um ano. O RU tem um mezanino que não estava em uso e a empresa resolveu abrir neste mezanino um restaurante self-service conrando preços de mercado. No anúncio da iniciativa a empresa propagandeou o novo restaurante como tendo um cardápio variado e requintado, naturalmente os adjetivos se aplicam quando comparados ao cardápio do RU. O preço deste novo restaurante, que os alunos já estão chamando de RU-gourmet, é de R$ 21,58 por quilo. Pelo que estou acompanhando no FB a inciativa não foi bem recebida pelos estudantes que usam o RU. Várias são as críticas: o mezanino podia ser usado para aumentar a capacidade de atendimento do RU e reduzir as filas, o novo RU cria uma segregação na UnB, a iniciativa faz parte de um processo de privatização da UnB, é coisa do FHC e do Bush Jr e há uma inconsistência entre os preços do RU e do RU-gourmet. É desta última crítica que pretendo falar.

O autor do relato que citei acima faz um questionamento que considero deveras relevante, mas que talvez me conduza a reflexões e a respostas diferentes das sugeridas pelo autor, vamos aos fatos. Copiei e colei abaixo o que considero o ponto central do relato:
"Eu me servi: peguei arroz, arroz à piamontese, feijão, batatinhas fritas em cilindro e bife a cavalo (alcatra e não patinho como no RU “de baixo”). Pesei: peguei 445g de comida, o que a R$21,58 o kilo deu R$9,60."
A questão é que no RU tradicional a refeição custa R$ 2,50 para o aluno e por cada prato servido a empresa recebe um subsídio de R$ 7,19. Desta forma uma refeição no RU tradicional custa R$ 9,69 (os dados estão aqui) e uma refeição no RU-gourmet custa R$ 9,60! Como pode? Na discussão que segue o relato que citei aparecem bons argumentos para explicar o paradoxo: rendimentos decrescentes na produção das refeições, características do contrato e o fato de existir concorrência para o RU-gourmet são alguns exemplos. Menos do que entrar nas causas do diferencial de preços e serviços, para os interessados recomendo os comentários no post no Blog do Apolinário, quero tratar das consequências.

Dada esta realidade como elaborar uma política de alimentação para os estudantes da UnB? O primeiro passo é definir o objetivo da política. Vou considerar que o objetivo é garantir alimentação para os estudantes pobres. Entendo que podem existir controvérsias quanto a este objetivo, focar políticas é um conceito que ainda incomoda. Aqui não tenho como deixar de fazer referência a como Maria Conceição Tavares, decana dos economistas de esquerda no Brasil, reagiu à chegada dos programas sociad focados no Brasil: ficou histérica! (para os que duvidam o link está aqui). Com o sucesso do Bolsa Família a tal reação hitérica contrária a estes programas continuou histérica, mas com sinal trocado. Qualquer um que ouse apontar alguma possível falha no programa virou inimigo do povo. De toda forma, se o leitor ainda fica ofendido com políticas focadas, a sugestão que vou dar pode ser adaptada para outras políticas.

Minha sugestão é simples. O primeiro passo consiste em acabar com o RU tradicional, não estou falando de privatizar, estou falando de acabar. A discussão sobre rendimentos decrescentes e/ou sobre escala que está no Blog do Apolinário oferece bons argumentos para argumentar que uma gestão privada não vai resolver o problema do RU. Pelo que está lá, por conta dos temperos e outras especificidades de cozinha, um prato tirado de uma comida feita para 5.000 pessoas é mais caro e menos saboroso que um prato tirado de uma comida feita para 400 pessoas. O segundo passo consiste em criar praças de refeição e outros espaços de forma que existam vários restaurantes nos campi da UnB, quanto maior o número e a variedade de restaurantes melhor. O terceiro passo é dar aos alunos pobres vales-refeição que, por força de contrato, devem ser aceitos por todos os restaurante que operem nos campi (poderia ser dinheiro no lugar dos vales, mas não quero abrir outro front de debates). Como sugestão o valor do vale seria de R$ 10,00.

Como a UnB tem cerca de 3.000 alunos classificados como pobres o custo desta política seria de R$ 30.000 por dia. Se supormos que o atual RU serve 6.000 refeições por dia com subsídio (a página do RU fala em 6.000 refeições por dia, mas nem todas são subsidiadas e algumas tem um subsídio maior, estou supondo que os dois casos extremos se cancelam) o custo da atual política é de R$ 7,19 x 6.000 = R$ 43.140 por dia. A UnB faria uma economia de R$ 13.140 por dia e os alunos pobres poderiam comer no RU-gourmet por R$ 9,60, com direito a sobremesa, e ainda teriam troco. Quem perde com a política que estou sugerindo? Em primeiro lugar perdem os estudantes que não são pobres e recebem subsídios para comer no RU, talvez daí venha a maior fonte de resistência a esta sugestão. Em segundo lugar perde a empresa concessionária do RU se for o caso dela ter lucros econômicos em decorrência do contrato e/ou do poder de monopólio sobre as refeições subsidiadas. Em terceiro lugar perde quem quer que obtenha algum benefício pelo fato de negociar estes contratos, por conhecer as pessoas que negociaram este contrato tenho confiança que este grupo é um conjunto vazio, mas é preciso considerar todas as hipóteses que teoricamente podem acontecer. Quem ganha com a política? Os estudantes pobres e a UnB, como a UnB é uma uma universidade pública também ganham os contribuintes, incluindo os muito pobres que não são alunos da UnB.

Por que então não implementar esta política? Porque muito provavelmente os três grupos que, pelo menos potencialmente, perdem com a política tem mais poder de pressão que os grupos que ganham com a política. O ganho para o contribuinte é muito pequeno para que se mobilizem a favor desta política. O ganho para os alunos pobres talvez seja significativo, se valer as reclamações constantes sobre a comida do RU que leio no FB o ganho certamente é relevante, mas os estudantes pobre são poucos, a UnB tem em torno de 40.000 alunos, e os setores mais articulados deste grupo costuma apoiar as demandas dos estudantes não pobres. O apoio é particularmente forte nos casos que envolvem bandeiras caras à extrema esquerda.

Não é o único caso onde uma coincidência de interesse entre setores da classe média beneficiados por uma dada política, empresários que obtém lucros econômicos por conta desta política e servidores do estado que podem obter rendas desta política (insisto, não creio que isto ocorra no caso específico que estou tratando) forja uma aliança capaz de manter em vigência uma política que é contra os interesses dos mais pobres. A UnB não é diferente do Brasil e portanto sofre dos mesmos males trazido pelo capitalismo de compadres. Um liberal chato é muito mais inconveniente do que se imagina.

domingo, 13 de abril de 2014

Complacência - Cometários sobre o livro de Giambiagi e Schwartsman

Como não poderia deixar de ser tirei o sábado para ler Complacência, o livro recentemente lançado por Fabio Giambiagi e Alexandre Schwartsman. Logo no prefácio, escrito por Eduardo Loyo, fical claro o papel central da produtividade no argumento dos autores, afinal um dos motes do livro é pedir uma obsessão nacional com produtividade. Como não gostar de um livro que propõe esta obsessão nacional? Afinal desde o final da década de 1990 tenho levantando esta bandeira, em uma época onde havia outros caminhos para crescer eu estava entre os que alertavam que sem um crescimento da produtividade qualquer crescimento teria vida curta. Não posso avaliar se o livro alcançou o objetivo de se comunicar com o público leigo em economia, mas por ter lido o “livro inteiro num impulso, num fim de semana” posso dizer aos autores que algum objetivo do livro foi alcançado. Nesta condição aplico ao livro o conselho de Leibniz sobre elogios e vou ao ponto: o livro é excelente, muito bom mesmo. É leitura obrigatória para todos que participam do debate econômico no Brasil, mesmo os iniciados em economia que já estão convencidos das teses dos autores devem ler como forma de enriquecer seus exemplos e aprimorar a comunicação de seus argumentos.

Logo de saída os autores fazem o diagnóstico da economia brasileira e mostram como o fundo teórico que dá suporte às ideias econômicas do PT antecipava as mudanças que foram feitas na política econômica. Desta forma o leitor percebe que era inevitável que chegássemos a este ponto. Não que os autores neguem as conquistas da última década, pelo contrário, tais conquistas são discutidas em um capítulo específico. Porém, mesmo que o governo petista tenha méritos como o de transformar um programa desconhecido e irrelevante com o estranho nome de IDH-14 no que veio a ser o bolsa-família, os autores mostram, com números, que não houve uma mudança de comportamento na economia brasileira em 2003. O que vimos na última década foi a continuidade de um processo que começa no final da década de 1980 e a consequência “inevitable”, agora digo eu, do processo de reformas que se intensificou nos anos 1990. Isto mais uma ajuda providencial do resto do mundo que nos brindou com a elevação dos preços das commodities e a redução dos juros internacionais. Mas os autores insistem, com razão, que isto não apaga os méritos locais, quem duvida que olhe para Venezuela e Argentina que receberam as mesmas bênçãos internacionais.

A próxima fase do livro traz uma sequência de capítulos tratando do que os autores consideram os principais desafios para retomada do crescimento: baixa poupança, excesso de gasto público, problemas no balanço de pagamentos, produtividade, falta de infraestrutura e as deficiências na educação. Não são capítulos estanques, pelo contrário, os temas de cada capítulo aparecem em outros como que antecipando ou ajudando a recordar cada tema e a relação entre eles. Quem me acompanha aqui no blog ou no FB sabe que minha lista é mais modesta: produtividade, educação, infraestrutura e ambiente de negócios. Mas não se enganem, ao abrir cada tema discutido pelos autores é possível a proximidade das agendas. É claro que não são idênticas. Eu daria menos peso a poupança e ao gasto público, o que necessariamente me força a jogar mais peso na produtividade. Afinal, se queremos poupar pouco e ter um governo que gaste muito, tudo indica que queremos, temos de ser muito produtivos. É o que venho chamando do dilema de escolher entre Alemanha ou China. A primeira opção permite poupança baixa e estado de bem-estar, mas exige altíssima produtividade. A segunda opção dispensa a elevada produtividade, mas exige poupança alta e não permite um estado de bem-estar. A aposta no Brasil de ter um estado de bem-estar com poupança baixa, nos moldes da Alemanha, e crescer com base em preços baixos e câmbio desvalorizado, no estilo chinês, é impossível. Não creio que minha avaliação se distancie muito da dos autores, até porque nunca é demais lembrar que parte do sucesso alemão se deve a reformas que reduziram gastos e flexibilizaram o mercado de trabalho por lá.

Senti falta de um capítulo dedicado ao ambiente de negócios, é verdade que os autores tratam do relatório “Doing Business” do Banco Mundial, mas apenas para discutir a complexidade do sistema tributário. Creio que o tema merecer mais espaço e deveria estar casado com a questão da produtividade. A abordagem que os autores fazem para produtividade está muito fincada em capital humano e inovação. Como creio que em países em desenvolvimento a chave está na adoção eu dedicaria mais tempo para relacionar o problema de produtividade com o das barreiras à entrada impostas pelo ambiente institucional. Talvez o campo de bocha do condomínio de luxo a que os autores se referem esteja no lugar de uma lan-house (não imagino que exista demanda para uma em um condomínio de luxo, mas não pensei exemplo melhor) onde os jovens do condomínio poderiam adotar, e até criar, novas tecnologias.

Depois desta maratona que, graças ao estilo leve com abundância de referências a frases de efeitos de diversas personalidades, pode ser enfrentada em ritmo de cem metros rasos, vem o capítulo sobre o mito das importações. Neste os autores mostram as falácias envolvidas nas teses que apresentam importações como um perigo que rouba nossos empregos. Nem o fato de Brasil ser um dos países mais fechados do mundo desmonta nossa paranoia xenofóbica, que dirá explicar os atuais processos globais de produção, mas todo esforço para mostrar que o perigo não vem de fora é válido. Da minha parte já tinha falado aqui no blog do mito da indústria de transformação. É bem diferente do mito que os autores tentam desmistificar, mas como costumam aparecer nos mesmos discursos eu aproveitei para fazer meu comercial.

Na sequência os autores tratam do voluntarismo de governo, particularmente presente nas intervenções no setor elétrico (o governo vai mudar a matriz de preços relativos do Brasil!) e na tentativa de reduzir juros na marra, ambas desastrosas. Os capítulos seguintes tratam de incentivos e ausência de regras claras com referências às instituições na linha de Acemoglu e Robinson. Aqui cabe um parênteses para tratar do imbróglio entre poupadores e bancos que está no STF. Os autores não subscrevem o discurso de que se o STF deve julgar de acordo com os efeitos econômicos da decisão, argumentam apenas que os bancos estavam seguindo uma norma imposta pelo executivo, o que é verdade. Como já me manifestei a respeito do assunto gostaria de colocar dois pontos no debate: (i) o longo tempo que a ação está na justiça é devido a uma série de recursos impetrados pelos próprios bancos visto que as decisões iniciais foram favoráveis aos poupadores, talvez seja o caso de ver este exemplo também como um caso onde o complexo sistema legal brasileiro prejudica quem tem menos poder econômico e/ou menos interesses me jogo; (ii) em caso de vitória dos poupadores será sinalizado para os bancos e a sociedade em geral que o poder executivo não é feitor de engenho, no futuro regras como as que causaram este problema podem ser questionadas pelos próprios bancos no momento que o executivo tentar impô-las, há juízes em Brasília e isto é bom. Findo o parênteses voltemos ao livro que segue falando do pré-sal, onde os autores apontam para os riscos da maldição dos recursos naturais e eu acrescento falando que pior que a maldição dos recursos naturais é a maldição dos recursos naturais que não existem e/ou que a exploração não é economicamente viável. O último problema tratado é o da previdência. A comparação com a tia louco é muito boa, acompanho previdência desde o final dos anos 1990. Desisti de debater sobre o assunto, o problema demográfico está colocado e é visível, não tem como fugir dele. Ficar debatendo código de receita e despesa diante desta questão é como debater a cor da sala diante de um tsunami.

O último capítulo faz um apanhado geral e justifica mais uma vez a necessidade da obsessão com a produtividade. Com feliz título de “O Fim da Vida Fácil” o capítulo relembra os principais desafios discutidos no livro e deixa aos leitores com o desafio de escolher entre o caminho da camaradagem e tapinha no ombro e o caminho da produtividade e da competitividade. Os autores citam Gabriel García Márquez e sua Macondo logo no início do livro, peço licença para terminar este comentário com referências ao mesmo autor. Estaremos condenados “desde sempre e para sempre” ou teremos “outra chance sobre a terra”? Este é o dilema que temos de enfrentar sobre pena de sermos parte das “estirpes condenadas a cem anos de solidão”. Esta é a mensagem que entendo que o livro quer passar e que eu subscrevo completamente.






quarta-feira, 9 de abril de 2014

Quem são os pessimistas?

Toda vez que sai alguma projeção de mercado somos bombardeados com a tese que existe uma conspiração pessimista a respeito da economia brasileira. A tese do excesso de pessimismo é o último refúgio dos que se recusam a entender que a política de desvalorizar câmbio, reduzir juros na marra e controlar preços deu errado pelo simples fato que não poderia dar certo. Controle de preços dispensa comentários, sempre que foi usado deu errado. A combinação de juros baixos e câmbio desvalorizado tem uma defesa mais forte, nem mesmo diria que é uma combinação ruim, apenas que só será obtida por meio de uma redução drástica no gasto público que permita ao governo não ter de se financiar no mercado. Se o governo gasta mais do que arrecada então é obrigado a pedir dinheiro emprestado às taxas ofertadas pelo mercado. Quanto mais dinheiro ele precisa pegar mais difícil conseguir taxas baixas, com taxas de juros altas entra dólar no país e o câmbio se valoriza. Tentar conseguir a combinação juros baixos e câmbio desvalorizado com política monetária é receita para o desastre, como bem demonstrou a tentativa do governo Dilma.

Mas voltemos ao assunto do pessimismo. Toda vez que vejo o governo ou quem quer seja colocar esta tese na mesa me pergunto quem são os pessimistas que estão impedindo o sucesso da economia brasileira. Serei eu e uma meia dúzia de economistas que criticam o governo em blogs e no FB? Não creio, duvido que algum responsável por decisões de investimento decida lendo o que dizemos. Serão outros economistas que criticam a política do governo em grandes jornais? Também não creio, para cada um destes existem, ou pelo menos existiam, outros tantos economistas garantido que nossa economia está sólida e segura. Serão os jornalistas econômicos? O tal Partido da Imprensa Golpista? Difícil, esses jornalistas não produzem números nem calculam previsões, quando muito repercutem as previsões do mercado. Desta forma creio que só ficou um suspeito, ele mesmo, o grande o vilão dos governantes democráticos e populares: o mercado. Apenas este ser, que os críticos frequentemente apontam como uma espécie de divindade moderna, teria tanto poder para espalhar o pessimismo que impede o Brasil de ter um crescimento chinês.

Felizmente nosso Banco Central monitora de perto o que este tal de mercado pensa sobre a economia brasileira, melhor: monitora, organiza e divulga o que o mercado anda dizendo para gerar tanto pessimismo. Estes números estão disponíveis na página do Banco Central em uma publicação chamada Focus (link aqui). Para ver o grau de pessimismo do mercado peguei as previsões feitas no início de cada ano do governo Dilma e comparei com o que de fato ocorreu. São feitas previsões de muitas variáveis, me limitei a crescimento e inflação porque são as mais comentadas na imprensa. Os resultados estão na tabela abaixo.

Ano
Crescimento
Inflação

Previsto
Ocorrido
Previsto
Ocorrido
2011
4,50%
2,73%
5,34%
6,50%
2012
3,30%
1,03%
5,31%
5,84%
2013
3,26%
2,28%
5,49%
5,91%
Para valores previstos foram usados os dados da coluna hoje para o ano de referência no primeiro relatório Focus de cada ano, para valores ocorridos foram usados dados do IPEADATA.


Perceberam que em todos os anos do governo Dilma o mercado começou o ano esperando mais crescimento e menos inflação do que ocorreu? À luz dos números os pessimistas são otimistas. Onde estão os pessimistas afinal de contas? Na realidade estão espalhados e falando para poucos. O que existe em relação à economia brasileira é um enorme e aparentemente infindável otimismo. Os que acusam o pessimismo de responsável pelo baixo investimento e a baixa de crescimento no Brasil devem procurar outros vilões para a fábula que estão escrevendo, a lista de vilões é grande: Bush Jr, FHC, aquecimento global, Sábios do Sião, extraterrestres malvados, homem do saco, mulher loura dos banheiros, Dr. Silvana e muitos outros.


sábado, 5 de abril de 2014

O Erro do IPEA

Novamente a pesquisa do IPEA a respeito da violência contra a mulher ganha atenção de todos, desta vez pelo reconhecimento oficial de que a pesquisa estava errada. No post abaixo comentei a pesquisa, em um dado momento falei explicitamente que descartava erros de tabulação e tentei apontar possíveis problemas metodológicos na pesquisa. Não fui o único a descartar erros de tabulação, praticamente todas as críticas que eu li falavam de problemas metodológicos que englobavam questionamentos sobre a adequação da amostra, a estrutura do questionário, a forma das perguntas e até mesmo a expressões usadas nas perguntas. Creio que não passou pela cabeça de ninguém o erro de tabulação. Por quê?
Porque o IPEA é um instituto em que confiamos, não se espera este tipo de erro de uma instituição com os qaudros, os serviços prestados e a reputação do IPEA. Lembro de que a preocupação em evitar erros que comprometessem a imagem da casa era uma constante nos tempos em que fui dos quadros da casa. Antes de publicar um resultado era preciso passar por discussões com o pessoal da casa onde eram feitas críticas, muitas vezes duras, ao trabalho de pesquisa. Dependendo do trabalho era preciso fazer seminários internos e/ou receber parecer externo. Duas histórias minhas podem ajudar o leitor a entender como o IPEA funcionava.
A primeira aconteceu creio que no final da década de 1990 quando eu comecei a escrever sobre previdência no Boletim de Finanças Públicas que era editado pelo setor onde eu trabalhava. O responsável por acompanhar previdência foi para o Ministério da Previdência e eu fui escolhido para assumir a função. Antes de sair ele me passou o trabalho e ainda tivemos tempo de trocar impressões sobre o modelo e os dados que alimentavam o modelo. Fiz algumas modificações simples e levei o resultado da previsão de déficit da previdência para o Francisco Pereira, coordenador da área de finanças públicas em Brasília e meu chefe. Ele olhou os números disse que estavam ruins e era preciso refazer a previsão, claro que protestei, as mudanças que eu tinha feito eram poucas e não eram determinantes do número que eu estava apresentando, até porque levei os dois números, com a mudança e sem a mudança, e nenhum dos dois foi aprovado. Com toda paciência do mundo (talvez nem tanta, mas felizmente sou daqueles tipos em que o efeito do tempo nas memórias é apagar as partes ruins e reforçar as boas) ele me explicou que existiam especificidades nos números da previdência que nenhum modelo pegava e que uma previsão do IPEA não podia destoar muito do número final, desta forma o número que ia para o Boletim não era necessariamente o número gerado pelo modelo. Depois de uma aula sobre os detalhes da previdência chegamos, na realidade ele chegou, ao número que acabou sendo divulgado. Esperei até o número oficial sair para ver se o número previsto pelo modelo seria mais próximo da realidade do que o a previsão que foi publicada, não foi. O valor publicado de fato foi mais próximo do número verdadeiro. Deste episódio tirei duas lições: (i) fazer previsões é mais trabalhoso que elaborar e rodar um modelo, e (ii) números divulgados pelo IPEA não saem da cabeça de nenhum pesquisador, são responsabilidade de um grupo.
O segundo episódio foi mais na frente e de natureza diferente. Na época meu chefe era o Eustáquio Reis. Eu queria pesquisar sobre ciclos reais, ele queira que eu ficasse na área de previdência e havia uma demanda institucional para que eu trabalhasse com modelos de equilíbrio geral computável. Como sempre tive grande admiração pelo Eustáquio fui conversar com ele a respeito desta questão aberto a seguir qualquer que fosse a conclusão da conversa (aqui novamente se aplica o nem tanto e a memória das coisas boas). Acabamos por ter uma longa conversa sobre a natureza do trabalho de um pesquisador do IPEA, até hoje guardo comigo as palavras do Eustáquio me dizendo que não queria um pesquisador com "insights", queria alguém que dominasse um tema. O trabalho do pesquisador seria conhecer o máximo possível sobre o tema de sua pesquisa, ler tudo, conversar com as pessoas envolvidas no tema, participar de fóruns e tudo o mais que criasse este conhecimento sólido sobre a questão. Menos do que alguém com muitas publicações o IPEA precisava de alguém com domínio do tema de forma que este pesquisador pudesse intervir em debates sobre o tema a qualquer hora que fosse necessário.
Estas duas histórias montam o perfil do que seria o pesquisador do IPEA. Alguém que conhece profundamente um tema e que discute internamente os números que divulga até que todo o grupo a que pertence esteja convencido do número. Como é possível que uma pessoa com este perfil divulgue uma tabulação errada de um tema tão importante? Um conhecedor profundo do tema não deveria ter desconfiado da informação que 65% dos brasileiros acreditam que mulheres com pouca roupa merecem ser atacadas? Uma vez que aparecesse a desconfiança a reação natural não seria checar novamente as tabulações? Não era de se esperar que os colegas tivessem estranhado o resultado? Neste caso o correto a fazer não seria voltar para os dados? Por que nada disso aconteceu e o erro passou desapercebido?
Não sei a resposta, mas tenho uma suspeita. Se eu estiver certo então o IPEA realmente está cometendo um erro muito grave que precisa ser corrigido. Suspeito que alguns setores do IPEA estão pensando em impacto na imprensa e divulgação do instituto. O processo de amadurecimento do pesquisador e discussão interna exaustiva dos resultados é um processo lento e algumas vezes frustrante. O artigo sobre ciclos reais que não animou o IPEA até recentemente era um dos dez mais citados da RBE, não sei se ainda está nesta lista, o artigo sobre previdência que também saiu na RBE nunca chegou a fazer parte desta lista. Mas para o IPEA era mais importante ter um pesquisador com treino em simulação numérica de modelos de equilíbrio acompanhando previdência do que tentando reproduzir o ciclo econômico. Na época não gostei de ouvir isto, hoje entendo perfeitamente. Mais importante do que ter um pesquisador com citações é ter alguém que conheça profundamente o sistema de previdência. Da mesma forma, mais importante do que ter divulgação de resultados sobre violência é ter alguém ou um grupo que conheça profundamente este tema.
O IPEA não deve buscar divulgação, não que deva evitar, mas que venha como resultado natural do processo de pesquisa. Sem buscar divulgação rápida, sem tentar causar impacto e formando pesquisadores com domínio profundo de temas relevantes o IPEA construiu uma reputação sólida e virou objeto de admiração da comunidade acadêmica, do governo e do setor privado. De uns tempos para cá o IPEA vem ganhando destaque por divulgar pesquisas polêmicas, usar metodologias questionáveis ou claramente inapropriadas, forçar interpretação de resultados (ainda não vi o vídeo onde o Adolfo fala de mais um erro do IPEA, mas tenho quase certeza que sei do que se trata), e, agora, por vir a público ter de reconhecer erros infantis.
Espero estar errado na minha suspeita, mas se eu não estiver creio que o IPEA tem tudo para virar o jogo. O presidente do IPEA, Marcelo Neri, é um dos melhores economistas aplicados do Brasil, tem uma formação impecável e conhece como poucos a economia brasileira. O IPEA tem um time espetacular de dirigentes e pesquisadores que podem continuar com a honrosa tradição da casa. A reação do diretor responsável pela área já mostra a integridade da casa, em vez de desculpas esfarrapadas o diretor pediu exoneração. Uma atitude de quem não se sente diminuído pelo erro, pelo contrário, por saber que errar é humano chama para si a responsabilidade e se prepara para voltar mais forte e mais sábio para a próxima missão e o próximo erro inevitável. Da mesma forma eu não apontaria o dedo para os pesquisadores que fizeram o texto, é claro que eles erraram e devem refletir sobre o que os levou a tamanho erro, mas isto não os desqualifica para seguir adiante aprendendo e, portanto, errando.
Termino com um apelo: não deixem que o espírito de um tempo destrua o espírito do IPEA, que o tempo passe e o IPEA fique.