terça-feira, 28 de outubro de 2014

Federalismo e Transferências

Vários amigos tem me questionado a respeito da tabela abaixo. Segundo a tabela Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins receberam mais do que pagaram de impostos ao governo federal. Note que oito dos nove estados do Nordeste estão na lista e que na maioria dos estados da lista Dilma recebeu mais votos do que Aécio. Existem outras análises semelhantes com conclusões parecidas com as da tabela, entre as várias disponíveis cito as do IMB (link aqui) e a do Blog do Kali (link aqui), a tabela que usei está no Blog do Roberto Lacerda (link aqui).



O que penso dos números? Várias coisas. De saída penso que a União está fazendo seu trabalho de tentar reduzir o desequilíbrio regional, algo normal em todas as federações. Como mostra o mapa abaixo a maioria dos estados da lista possuem IDH menor do que os dos estados "pagadores de impostos", o mapa está em  reportagem da Folha se São Paulo (link aqui). Também penso outras coisas: a análise por estado pode não fazer jus a análise por indivíduos e a análise das transferências de impostos pode encobrir outras transferências que não são tão óbvias.




Comecemos pelos indivíduos. O tabela mostra que os estados listados recebem mais da União do que pagam de impostos federais, nada na tabela permite que concluir que todos os indivíduos do estado em questão recebem mais do que pagam. É perfeitamente possível que alguns indivíduos recebam mais do que pagam e outros paguem mais do que recebam. E se tiver um padrão? E se os indivíduos que pagam mais do que recebem forem justamente os que votaram em Dilma. Não sei as respostas para essas duas perguntas, mas sei como alguém interessado pode buscar a resposta. Uma das primeiras teses que orientei na UnB foi a de Maria Cristina Mac Dowell, orientei é jeito de falar, Cristina era colega de IPEA e não precisou de minha ajuda para fazer a tese,meu trabalho se limitou a algumas sugestões e trocas de ideias. A tese dela perguntava quem são os pagadores e quem são os recebedores líquidos de recursos públicos. Da pesquisa feita para tese saiu um texto chamado "Impactos Redistributivos das Transferências Líquidas de Renda sobre a Desigualdade Brasileira". O texto também foi assinado por Alexandre Manuel Silva e Marco Aurélio Souza. Por contra de outros compromissos o texto nunca foi mandado para publicação embora tenha sido apresentado em alguns encontros. Para os interessados aqui está um link para o texto.

Uma das conclusões do texto é que no Nordeste como um todo os 10% mais pobres pagam mais do que recebem, e, surpresa, o mesmo era verdade em Minas Gerais. Os nordestinos mais beneficiados com as transferências são os que tem renda maior que os 50% mais pobres porém menor que os 40% mais ricos. O estudo foi feito antes do bolsa família e é possível que os resultados tenham mudado. Mas de toda forma fica no ar a possibilidade que parte dos que votaram em Dilma apesar de morarem em estados que recebem mais do que pagam estão entre os que pagam mais do que recebem,

As "transferências ocultas" me interessam ainda mais. Nunca fiz nem conheço ninguém que tenha feito a conta, talvez nem seja possível fazer. Mas não faz muito sentido falar das transferências explícitas sem falar das ocultas. Explico. Em nome da proteção da industria nacional um morador do Ceará é obrigado a comprar Cobalt por preço de Camaro, quanto custa isso para o estado? O preço extra que os cearenses pagam para proteger a industria paulista compensa o que o Ceará recebe a mais do que paga de impostos? Sem esta resposta não adianta muito falar de estados pagadores e recebedores. Mas você está falando de carros de luxo (vá lá...) e maioria da população não tem acesso a estes bens. É verdade, mas a raciocínio se aplica a máquinas, inclusive agrícolas, equipamentos, insumos (quanto custa para o Nordeste sustentar a indústria petroquímica?) e etc.

Não me entendam mal, não estou dizendo que o Nordeste estaria melhor sem o centro-sul, longe disso, apenas digo que a tabela de transferências não é definitiva para listar quais estados ganham e quais estados perdem com a federação. Na realidade talvez nem faça tanto sentido analisar estados que ganham e que perdem, melhor seria analisar indivíduos que ganham e que perdem.


Um comentário:

  1. Roberto,

    Acredito que vai concordar comigo que a existência de fatores microeconômicos não invalida indicadores da macroeconomia.

    Esteja indo para ricos ou pobres: Fato é que recursos são retirados de uma região para fazer "enxertos" em outra. Algo natural, como colocado, em todas as federações. Exceto pelo fato de que a federação brasileira está, de maneira não-salutar, dividida ideologicamente. Seja por ignorância ou qualquer outra razão. É diferente, e você há de concordar comigo, por razões mil, também aqui, um país que escolhe entre PSDB e Partido Novo ou aquele cujo leque se dá com PT e PSOL.

    Isso para não estender a tópicos relacionados à autonomia econômica e legislativa das "unidades federativas".

    Forte abraço!

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