terça-feira, 26 de julho de 2016

Nota a respeito da Bolívia e Evo Morales

Não raro alguém me pergunta a respeito da Bolívia sugerindo que lá as políticas inspiradas no bolivarianismo deram certo. De fato, ao contrário do desastre venezuelano, a Bolívia vem crescendo a taxas razoáveis e apresentando inflação sobre controle. Para que o leitor tenha ideia, de acordo com os dados do FMI, entre 2011 e 2015 o PIB da Bolívia teve um crescimento médio de 5,3% ao ano, enquanto, no mesmo período, o PIB do Paraguai cresceu 6,3% ao ano, na Colômbia a média 4,5%, no Peru de 5,4% e no Brasil 2,1%. Se não foi um milagre econômico e nem mesmo a maior taxa média de crescimento do período definitivamente também não foi um desastre.

Para explicar de forma adequada o que está acontecendo na Bolívia é preciso avaliar com o devido cuidado vários fatores. O primeiro é que a Bolívia é um país muito pobre, em 2015 o PIB per capita em unidades de poder de compra da Bolívia foi de $6.425, no Brasil foi de $15.614, na Colômbia foi de 13.846, no Peru $12.194, dos países listado acima apenas o Paraguai, com PIB per capita de $8.116 em 2015, está próximo da Bolívia. É possível que o populismo autoritário de Morales não tenha sido destrutivo simplesmente por falta do que destruir, ou que esse tipo de populismo seja compatível com uma renda média de, digamos, $10.000, porém não mais do que isso. Nesse caso a Venezuela com seus $16.672 de PIB per capita talvez ainda tenha uma longa ladeira para descer. Que fique claro que estou especulado, tirei o $10.000 da cartola, porém a possibilidade que regimes como o de Morales sejam viáveis apenas em níveis baixos de renda per capita é plausível.

Outra possibilidade é que o desastre da Bolívia ainda não chegou ou que pode até ser evitado. Para avaliar essa possibilidade seriam necessários mais conhecimentos a respeito da Bolívia do que os que possuo. Em particular seria necessário saber o quão longe Morales foi nas políticas populistas, em particular nas que levam ao capitalismo de estado ou ao capitalismo de compadres. Como já expliquei aqui no blog algumas vezes distribuir dinheiro para pobres não é o que leva uma economia ao desastre, a caminho para o desastre começa quando o governo começa a escolher quem serão os muito ricos. Não sei dizer o quanto a Bolívia percorreu nesse caminho, tenho motivos para desconfiar que andou muito, mas é apenas especulação.

Na falta de conhecimentos a respeito do processo político e de como as instituições da Bolívia resistem ou ajudam no populismo de Morales me resta apelar para os números. Sendo assim resolvi copiar descaradamente alguns excelentes posts que o Carlos Eduardo Gonçalves (caso queira acompanha-lo além do FB recomendo a página Por quê? Economês em bom português, link aqui) e criar uma Bolívia sintética para tentar avaliar se Morales melhorou ou piorou o desempenho econômico da Bolívia.

Criar um país sintético significa buscar uma combinação de outros países de forma que tal combinação tem um comportamento próximo ao da Bolívia no período anterior a chegada de Morales ao poder. O exercício consiste em comparar o crescimento do PIB per capita dessa combinação de países, a Bolívia sintética, com o crescimento do PIB per capita da Bolívia artificial. Se a Bolívia sintética crescer mais que a Bolívia significa que Morales atrapalhou o desempenho econômico da Bolívia, se crescer menos então podemos dizer que Morales ajudou.

Para encontrar a combinação ideal dos países usei os dados da Penn World Table 9.0 (link aqui) e selecionei um conjunto de variáveis disponíveis entre 1980 e 2014 para os países da América Latina. As variáveis escolhidas foram capital humano, relação capital trabalho, taxa de investimento e participação do gasto público no PIB. O conjunto ficou pequeno e, pior, apenas o Paraguai estava próximo da Bolívia, sendo assim no exercício a Bolívia sintética ficou sendo basicamente o Paraguai. Para resolver a o problema adicionei todos os países da amostra com PIB per capita próximo ao da Bolívia. Naturalmente existem maneiras mais adequadas de selecionar os países que serão usados, mas, por outro lado, estou escrevendo um post no meu blog, não um artigo para publicação e revistas especializadas. De toda forma, como mostra a figura abaixo, a Bolívia sintética reproduziu razoavelmente bem a Bolívia verdadeira na década de 90 e no começo do século XXI, até que...




Até que um certo Evo Morales entra em cena. Podemos marcar o surgimento de Morales com os protestos de Cochabamba por conta do aumento de preço da água. Em 2002 o então deputado Evo Morales perdeu o mandato por ter incentivado protestos, no mesmo 2002 Morales ficou em segundo lugar nas eleições presidenciais. A surpreendente votação de Morales alavancou tanto a carreira política dele quanto a adesão aos protestos na Bolívia. Em 2003 começam os conflitos por conta da privatização das companhias de gás na Bolívia. Em março de 2005 o então presidente Carlos Mesa renuncia citando explicitamente os bloqueios de rodovia e a desordem em algumas cidades causadas pelo cocaleros liderados por Morales. Ainda em 2005 Evo Morales é eleito presidente da Bolívia, cargo que ocupa até hoje.




Reparem na figura que é exatamente em 2002 que a Bolívia sintética começa a descolar da Bolívia verdadeira. A figura abaixo mostra a diferença entre o PIB per capita da Bolívia e o da Bolívia sintética. Assim como na figura anterior foi considerado que o efeito de Morales começa em 2003 na sequência da derrota de 2002 e na consequente convulsão social que culminou na renúncia do presidente eleito e na eleição de Morales. Se o exercício desse post faz algum sentido, eu acredito que faz, então podemos dizer que mesmo sem (ainda) ter causado um desastre econômico Morales já custou caro para os bolivianos. Na verdade, ainda segundo o exercício do post, Morales amorteceu muito do crescimento que o Bolívia deveria ter tido durante o boom das commodities, uma época de ouro para países exportadores de matérias primas em geral e da América Latina em particular.


Um comentário:

  1. Parabéns pelo raciocínio desenvolvido. Mas, para mim é simples. Os loucos da venezuela não ficaram só no discurso populista e esquerdista.Foram para a prática destruindo todos os pilares do livre mercado. O louco boliviano ficou mais no discurso e menos na prática.Sei que não está bem em discussão, mas mesmo o Brasil tendo um PIB bem maior, acredito que podemos tirar algumas lições.Os treloucados do PT enquanto não colocaram suas políticas em prática o país foi bem(1° mandato do molusco).Já a partir do seu segundo mandato e com a assunção da presidenta colocaram e exarcebaram suas políticas populistas e esquerdistas.Aí é que nós já estamos cansados de saber-O caos se instalou.
    Abraços!!!

    ResponderExcluir