domingo, 7 de maio de 2017

Reduzir distorções ou intervir nos preços? Custo de exportações e exportações da indústria.

Uma das diferenças mais significativas entre economistas como o que escreve esse blog e boa parte dos economistas desenvolvimentistas é que eu respeito preços, não acredito em políticas que tentam intervir diretamente nos preços forçando-os para cima ou para baixo. A questão é que preços são determinados a partir de uma infinidade de informações das quais apenas uma pequena parcela é conhecida por alguns agentes econômicos, ninguém conhece todas as informações necessárias para formar um preço. Hayek foi o economista que melhor expressou esse problema em um texto clássico chamado “The Use of Knowledge in Society” (link aqui) publicado na American Economic Review. A passagem abaixo deixa claro o ponto de Hayek:

“The peculiar character of the problem of a rational economic order is determined precisely by the fact that the knowledge of the circumstances of which we must make use never exists in concentrated or integrated form but solely as the dispersed bits of incomplete and frequently contradictory knowledge which all the separate individuals possess. The economic problem of society is thus not merely a problem of how to allocate "given" resources—if "given" is taken to mean given to a single mind which deliberately solves the problem set by these "data." It is rather a problem of how to secure the best use of resources known to any of the members of society, for ends whose relative importance only these individuals know. Or, to put it briefly, it is a problem of the utilization of knowledge which is not given to anyone in its totality.”

Desta maneira fixar o preço certo de um bem ou serviço é impossível, pior, tentar fazer isso é perigoso. Como ninguém conhece todas as informações que determinam um preço ninguém pode prever todos os efeitos de forçar a alteração do preço. Se isso é verdade para preços em geral é mais verdade ainda para preços como a taxa de câmbio. Muito se fala que desvalorizar o câmbio ajuda a indústria, pode até ser verdade em alguns casos e para algumas indústrias, infelizmente não sabemos quais casos e quais indústrias. A mesma desvalorização que, em tese, torna um produto local mais competitivo no exterior pode elevar o custo de um insumo que inviabilize uma outra indústria local. Qual o efeito líquido? Medir tal efeito para o passado é tarefa árdua, talvez inexequível, prever tal efeito para o futuro é tarefa impossível.

Então o governo nunca pode tentar alterar um preço? Não há nada que o governo possa fazer para estimular a indústria ou a agricultura? Nada que possa ser feito para estimular as exportações? Felizmente o mundo não é tão cruel para nós economistas. O governo pode fazer políticas que terão efeitos sobre o preço, mas efeitos indiretos. Políticas que são boas não apenas por conta de tal efeito, mas que podem ficar ainda melhores por conta de possíveis efeitos nos preços. Caso o efeito nos preços não seja o desejado sobram os outros efeitos positivos da política.

Ainda no exemplo da indústria e das exportações considere o problema do custo de exportar. Parte deste custo é devido a ações diretas do próprio governo via tributação inadequada, burocracia exagerada ou barreira legais a competição no setor. O governo pode tentar manter tudo isso e reduzir o preço de exportar um container na marra, mais ou menos como o governo Dilma tentou fazer com a energia e gerou um caos no setor, ou o governo pode buscar formas mais eficientes de tributação, reduzir burocracia e retirar barreiras a competição no setor. No primeiro caso a mudança forçada no preço levará a uma série de desequilíbrios que podem gerar um efeito contrário a intenção inicial do governo, novamente é válido lembrar da desastrosa intervenção no mercado de energia. No segundo caso também não há garantias que o governo vai conseguir o que quer, mas, mesmo que não consiga, ficaremos com uma tributação melhor, menos burocracia e/ou mais competição.

A figura abaixo mostra a relação entre participação da manufatura nas exportações e o custo de exportar um container. Os dados são do Banco Mundial referentes ao ano de 2014, forma considerados apenas país com mais de cinco milhões de habitantes. A relação é claramente negativa, ou seja, quanto maior o custo de exportar menor a participação da manufatura nas exportações. Como de costume vale alertar que a figura não permite inferir nenhuma forma de causalidade, é apenas uma correlação.




Repare que o Brasil está bem na linha de regressão, ou seja, dado o custo de exportar no Brasil a participação das exportações de manufaturas é mais ou menos igual a esperada pelo modelo. Também é possível notar que o custo de exportação no Brasil está acima da média dos países do mundo. É possível concluir que se o Brasil reduzisse o custo de exportação aumentaria a participação da manufatura nas exportações? Não, mas é possível especular que sim e é aceitável afirmar que nosso custo de exportação é muito alto. A última afirmação ganha força quando consideramos que grande parte dos países com custos de exportação maiores que os nossos são países da África subsaariana, uma região particularmente complicada.

Se consideramos apenas os países da América Latina e Caribe o Brasil tem o terceiro maior custo de exportação, perde apenas para Colômbia e Venezuela. A figura abaixo mostra o custo de exportação na América Latina e Caribe.




Já perdemos muito tempo e pagamos muito caro por tentativas de estimular a indústria e as exportações via câmbio. Não seria o caso de fazer um esforço para diminuir distorções causadas pela ação do governo que possam ter como efeito colateral a redução do custo de exportação do Brasil para a média da América Latina e Caribe? Não posso afirmar que a tal diminuição faria bem a indústria nacional, mas se não fizer no lugar de crises e desequilíbrios macroeconômicos com efeitos devastadores na vida dos mais pobres e de algumas empresas que dependem de insumos importados o efeito colateral será um país mais eficiente e as perdas deverão ficar concentradas em alguns empresários amigos que ganham dinheiro com as dificuldades impostas pelo excesso de burocracia e a falta de competição.


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