segunda-feira, 30 de abril de 2018

Uma nota a respeito da crise orçamentária da UnB


Estou tentando evitar a posição de ficar dando pitacos sobre possíveis soluções para a crise orçamentária por que passa a UnB sem participar nem ser interlocutor da administração. Muitas das soluções que parecem viáveis quando estamos de fora se revelam impossíveis quando alguém tenta aplicá-las. Não vou manter o mesmo silêncio em relação a alguns diagnósticos da crise que são apresentados por setores da comunidade da UnB, o motivo é que diagnósticos errados costumam levar a soluções erradas. No caso específico a insistência um culpar o teto de gastos pelas dificuldades da UnB acaba por induzir algumas pessoas a acreditar que o caminho para resolver nosso problema é tentar eliminar o teto de gastos. Eu acredito que mesmos em o teto de gastos estaríamos enfrentando as dificuldades pelas quais estamos passando.

Para justificar minha leitura vou usar os dados que estão no gráfico elaborado pela reitoria da UnB e que está circulando na imprensa e nas redes sociais (link aqui). O gráfico tem alguns problemas, um deles é que mostra os valores do orçamento e esses nem sempre são iguais aos valores que de fato foram ou serão gastos, outro é que os valores estão em reais correntes quando o mais adequado para comparações de valores relativos a anos diferentes é usar valores corrigidos pela inflação. O primeiro problema eu vou ignorar, não quero entrar no labirinto de definições que existem no orçamento público e desviar o foco da discussão para questões técnicas. O segundo problema eu vou corrigir, antes, porém, vale comentar a figura abaixo que apresenta os dados tais como foram divulgados.




Na figura é possível ver que o orçamento total da UnB aumenta ano a ano a um ritmo menor que o gasto com pessoal, encargos e benefícios. Esse é um ponto importante porque, creio eu, está no centro do nosso problema orçamentário. Também é possível ver a queda do orçamento para outras despesas correntes que aconteceu com mais força em 2017, de fato, em 2018 o orçamento para esse item de despesa aumentou. Por fim aparece a queda do investimento, tal queda é natural em períodos de crise orçamentária, a queda também pode ser explicada pelo fim do grande ciclo de investimento que se seguiu a expansão da universidade durante o Reuni. Olhando esses números alguém pode acreditar que o teto orçamentário, aprovado no final de 2016, é o culpado pelo drama da UnB. Quanto a isso, uma olhada nos dados corrigidos pela inflação mostra outra realidade. A figura abaixo mostra os dados da figura anterior corrigidos pelo IPCA, para 2018 usei a previsão do Boletim Focus.




Os dados corrigidos mostram que a queda no orçamento total da UnB começou em 2015, como estamos falando de orçamento a queda de 2015 foi determinada ainda em 2014. De 2014 para 2015 o orçamento total diminuiu em 5,2%, de 2015 para 2016 a queda foi 5,8%. Curiosamente no orçamento de 2017, elaborado em 2016 com a previsão de aprovação do teto de gastos, a queda foi de 2%, menos da metade das quedas ocorridas nos anos anteriores. No orçamento para 2018, elaborado com o teto em vigência, ocorreu o primeiro aumento no orçamento total desde 2015, a elevação, pequena, foi de 0,3%. Como pode ser visto os cortes de orçamento na UnB foram mais severos antes da aprovação do teto do que depois do teto entrar em vigor.

Como então explicar o problema? A maior parte do orçamento da UnB vai para o pagamento de pessoal, encargos e benefícios, conta que, entre outros, inclui o pagamento de servidores ativos e inativos. Essa conta teve um aumento real de 14% quando comparamos 2017 com 2016, em valores de 2018 o gasto com pessoal, encargos e benefícios aumentou R$ 177,9 milhões. A queda de R$ 187,5 milhões, também em reais de 2018, observada nas outras despesas de custeio mal compensou o aumento da conta de pessoal, encargos e benefícios.

O significativo aumento dos gastos com pessoal, encargos e benefícios não pode ser debitado na conta da gestão da UnB, pelo menos não a curto prazo. Tais aumentos decorrem de aumentos de salários concedidos pelo governo, contratações de pessoal, progressão funcional e outros fatores regulados por lei. Um dos fatores específicos da UnB que podem explicar esse salto foi a substituição de servidores contratados por meio de projetos e/ou pagos com recursos próprios da UnB por servidores concursados, essa mudança foi uma exigência do Ministério Público do Trabalho. Naturalmente poderíamos questionar as decisões que levaram a expansão do quadro da UnB, tais decisões foram tomadas em 2008, uma época em que muitos acreditavam que viveríamos eternamente na fartura. Voltar a esse ponto é bom para evitar repetir erros no futuro, mas não ajuda a resolver o problema presente.

Com os gastos com pessoal, encargos e benefícios tomando uma parcela cada vez maior do orçamento o ajuste acaba sendo nas outras despesas correntes e no investimento. Isso não é culpa da lei do teto, de fato, como vimos, a redução no orçamento total foi mais forte no período anterior a aprovação da lei do teto. A situação de quem estiver na gestão da UnB não é fácil, outras despesas correntes são necessárias para financiar o dia a dia da universidade, nesse grupo estão incluídos os serviços terceirizados como vigilantes, porteiros e pessoal de limpeza. Em termos reais a atual administração conta com menos da metade do que estava disponível para esse tipo de gasto em 2015. A cada rodada de cortes fica mais difícil realizar novos cortes, a cada aumento de gastos com pessoal, encargos e benefícios serão necessários mais cortes em despesas correntes. A figura abaixo mostra o gasto orçado com pessoal, encargos e benefícios como proporção do orçamento total, repare o salto de 62% para 84% ocorrido entre 2013 e 2018.




O lado bom é que as despesas com pessoal, encargos e benefícios parecem que caminham para estabilidade, o lado ruim é que está estabilizando em um nível muito alto. A dura realidade é que nas condições de hoje contratar um professor significa reduzir um valor equivalente ao salário desse professor em outras despesas correntes, no limite podemos dizer que contratar um professor significa demitir alguns porteiros.

No caso específico da UnB o drama poderia ser amenizado pela regulamentação do uso de recursos próprios, a conhecida fonte 250 (link aqui). Por conversas que já tive com pessoal de ministérios e no Congresso acredito que tal regulamentação seja possível, mas as universidades federais precisam ser proativas e liderar esse esforço. A médio prazo a UnB talvez tenha de repensar a política de pessoal, especialmente as contratações. A aprovação de uma reforma da previdência que reduzisse os gastos com inativos e a adiasse a necessidade de contratar novos professores e técnicos administrativos também ajudaria, mas isso não depende da UnB.

A curto prazo sobram medidas emergenciais como revisar contratos com empresas prestadoras de serviços (possibilidade prevista nos contratos), adiar investimentos, renegociar contratos de telefonia e internet, implementar planos de redução de consumo de energia e coisas do tipo. Uma medida interessante é repassar custos para as unidades, a proposta relativa aos estagiários foi nessa direção, a medida não tem impacto direto no orçamento total, só muda quem faz a despesa, mas pode levar as unidades a ter mais rigor em suas demandas. Nesse sentido seria interessante que cada unidade tivesse informações quanto a seu custo total e como esse é distribuído, com essa informação os diretores teriam mais condições de avaliar onde podem ser feitos cortes com o mínimo prejuízo para as atividades acadêmicas da unidade.

Enfim, falei mais do que queria, o ponto que quis mostrar é que a UnB, e várias outras universidades federais, estão em uma encruzilhada. Um caminho é sair acusando o governo de plantão e exigindo o fim de medidas como o teto de gastos que, insisto, não levou a uma queda no orçamento da UnB, pelo contrário, ou exigindo o fim do ajuste fiscal, que veio mais de necessidade do que da vontade do inquilino (inquilina?) do Planalto. Outro caminho é olhar item a item a procurar medidas para conter o aumento dos gastos com pessoal, encargos e benefícios enquanto mantém os esforços para reduzir outras despesas correntes e conseguir a regulamentação do uso dos recursos próprios. O primeiro caminho é mais romântico, é o caminho que cria heróis carreiras políticas e coisas do tipo. O segundo caminho é chato, não tem brilho nem heróis e não ajuda a eleger ninguém, mas, creio eu, é o caminho que pode livrar a UnB de repetir a cada ano e com mais intensidade o drama que estamos vivendo. O diagnóstico que o teto de gastos é o culpado por nossos problemas pode sugerir o primeiro caminho, o diagnóstico que tentei fazer nesse post implora pelo segundo caminho.


sábado, 21 de abril de 2018

Aumentos do Salário Mínimo nos Governos FHC, Lula e Dilma


Uma tese que vez por outra aparece nas redes sociais é que o aumento do salário mínimo nos governos Lula e Dilma viraram a classe média contra o PT, mais precisamente a tese aponta o aumento do salário mínimo em relação a renda média como responsável pela rejeição ao PT. Existem variações da tese, mas no cerne da tese está a ideia que ao elevar o salário mínimo e deixar os trabalhadores que recebem um salário mínimo mais perto da classe média os governos petistas abriram a caixa de pandora que levou a atual divisão de nossa sociedade.

É importante dizer que vejo tanta implicância da classe média com Lula, de certa forma vejo o contrário, Aécio Neves, que em 2014 recebeu mais de 50 milhões de votos em parte por encarnar o antipetismo, hoje tem bem menos apoio na classe média do que Lula. A reação a Lula é mais barulhenta que a reação a Aécio não por conta de um suposto volume de ódio, mas porque o barulho de quem é contra costuma ser proporcional ao barulho de quem é favorável, pelo menos é assim que eu vejo as coisas. Também não vejo a divisão da sociedade como um problema, por anos reclamou-se que o Brasileiro estava mais preocupado com a seleção do que com a política, quando os brasileiros passam a “escalar” os ministros do STF com mais facilidade do que escalam a seleção todo mundo reclama. Vou além, se essa divisão for a responsável pelas mazelas pelas quais passam políticos como Lula e Aécio então é o caso de saudar tal divisão. Se parte da sociedade não der sossego a uma parte dos políticos e outra parte da sociedade fizer o mesmo com a outra parte dos políticos creio que a sociedade como um todo ficará melhor e mais segura. Poucas coisas são mais perigosas que políticos com paz e sossego para tocar as próprias agendas.

Seja lá qual for a explicação para a rejeição de parte da classe média a Lula e ao PT essa explicação tem que ser capaz de responder os desafios colocados pelos fatos. Ocorre que os fatos nem sempre são simples de encontrar, alguém pode dizer que quando FHC começou a governar o salário mínimo era R$ 70,00 (valor do salário mínimo em janeiro de 1995) e que quando ele saiu do governo o salário mínimo era de R$ 200,00 (valor em dezembro de 2012), assim concluindo que o salário mínimo aumentou 186% nos governos FHC. Outra forma de fazer a conta é dizer que em 1995 o salário mínimo era de R$ 100,00 (valor que entrou em vigor maio de 1995) e que em 2002 era de R$ 200,00, desta forma o aumento seria de 100%. A diferença entre um aumento de 186% e um aumento de 100% é significativa, principalmente quando estamos falando de memes em redes sociais. Repare que ainda nem tratei a questão da correção pela inflação e já mostrei duas formas defensáveis de calcular a variação do salário mínimo nos governos FHC com resultado bem diferentes. Truques semelhantes podem ser feitos para os governos Lula, o ponto de partida deve ser os R$ 200,00 que valiam em janeiro de 2002, quando da posse de Lula, ou os R$ 240,00 de abril de 2003? O salário mínimo deve ser corrigido por qual índice de inflação?

Se fosse uma monografia ou outro trabalho acadêmico eu diria para calcular por vários métodos e comparar os resultados, como estou escrevendo para um blog, meu blog, usarei apenas o método que me parece mais “justo”. Considerei o salário mês e mês conforme disponível no Portal Brasil (link aqui), deflacionei os valores mensais pelo INPC, um índice com base em uma cesta de consumo de famílias de renda mais baixa (link aqui). Depois dos dados deflacionados fiz a média do salário mínimo de cada ano. O resultado está na figura abaixo.




No primeiro mandato de FHC o salário mínimo real, calculado conforme descrito acima, aumentou 9,6%, no segundo mandato de FHC o aumento foi de 16,2%. No primeiro governo Lula o aumento foi de 25%, no segundo governo Lula o aumento foi de 16,5%. No primeiro governo Dilma o aumento foi de 11,9%, deixei de fora o segundo governo Dilma para não contaminar a discussão com questões relativas as crises econômica e política. O que os dados dizem é que de fato o aumento do salário mínimo foi maior nos governos de Lula do que nos governos de FHC, porém o salário mínimo aumentou menos no governo de Dilma do que nos governos FHC. Analisar o apoio da classe média com base no aumento do salário mínimo levaria o analista a concluir que Dilma fez o governo preferido pela classe média, salvo se o analista apontasse outros fatores para justificar que a regra que se aplica a Lula e FHC não se a plica a Dilma e FHC.

Uma informação que não está tão visível, mas aparece nos números acima é que no segundo governo Lula houve uma reversão na velocidade de crescimento do salário mínimo, a taxa que foi de 9,6% para 16,2% e depois para 25% caiu para 16,5% no segundo governo Lula e para 11,9% no governo Dilma. Seria reflexo da guinada desenvolvimentista no segundo governo Lula? Pode ser, mas não há como afirmar, manter o salário mínimo crescendo é tarefa difícil, manter o salário mínimo crescendo a taxas crescentes é praticamente impossível. Mais razoável é entender o movimento como parte de um ajuste de longo prazo, nesse caso a menor elevação do salário mínimo nos governos FHC estaria menos relacionada a objetivos distributivos das políticas de cada governo e mais relacionada ao fato que FHC governou antes de Lula.

A tese, porém, não relaciona de forma direta o aumento do salário mínimo com a rejeição ao PT, a ideia é mais sutil, a rejeição seria resultado de uma aproximação entre o salário mínimo e a renda da classe média. A redução da desigualdade seria o verdadeiro incomodo da classe média. Para checar essa diferença calculei a razão entre a renda anual de quem ganha um salário mínimo, treze vezes o valor do salário mínimo, e o PIB per capita. Não é a maneira mais certa, mas se considerarmos que classe média é quem ganha a média de renda então não estaremos tão mal, aqui vale dizer que tenho ressalvas a essa maneira de definir classe média, escrevi sobre o assunto em outro post do blog (link aqui). A figura abaixo mostra a evolução do salário mínimo como proporção do PIB per capita.




No primeiro governo FHC o salário mínimo como proporção do PIB per capita aumentou 3,9%, no segundo governo FHC o aumento foi de 11,4%. No primeiro governo Lula o aumento foi de 8,5%, menor que no segundo governo FHC, e no segundo governo Lula essa razão caiu 1,1%. No governo Dilma a razão subiu 3,5%. A valer esses números temos que a maior aproximação entre a renda de quem ganha um salário mínimo e renda média da economia ocorreu no segundo governo FHC, mais ainda, a única vez em que o salário mínimo se distanciou da renda média foi no segundo governo Lula.

Sei que parte do que vemos nas redes sociais derivam de trabalhos acadêmicos feitos por pesquisadores de prestígio, não fiz o post pensando nesses trabalhos, dos quais não posso falar porque não os li. De toda forma, seja um trabalho acadêmico ou uma provocação na internet, qualquer tese que tente explicar a rejeição de Lula deve levar em conta os fatos. Em relação ao salário mínimo o fato que me parece relevante é que aparentemente não houve uma quebra na trajetória do salário mínimo com a chegada do PT ao poder. O aumento maior no governo Lula não foi observado no governo Dilma, o fato que a velocidade do aumento cresce nos governos FHC e no primeiro governo Lula e depois começa a cair sugere que houve um processo de ajuste, talvez por conta de defasagens acumuladas nos anos de inflação. Independente da trajetória do salário mínimo creio que os mais de 80% de aprovação que Lula obteve no final de seus governos sugerem fortemente que qualquer explicação para a rejeição a Lula, que, insisto, não é tão grande quanto querem fazer parecer, deve ser explicada por fatos ocorrido depois que Lula saiu do Planalto. Meus candidatos mais fortes são a crise, a negativa de Dilma em reconhecer a crise na campanha de 2014 e os achados da operação Lava Jato, mas isso é conversa para outro post.